Tanto a anástrofe como o hipérbato são figuras relacionadas com a ordem das palavras na frase: a sua ação expressiva consegue-se por meio da alteração do sítio natural das palavras. A anástrofe tem um enfoque mais curto, na medida em que corresponde à inversão da ordem normal de palavras que se sucedem, ou seja, de palavras vizinhas. O hipérbato, por seu turno, corresponde a uma alteração da ordem das palavras que separa palavras de maior proximidade sintática, intercalando-as com elementos que não pertencem imediatamente a esse lugar. Os autores definem o hipérbato como uma alteração de natureza mais violenta, o que por vezes “obscurece o pensamento”1, o que não acontece com a anástrofe que traz uma alteração da ordem mais suave2.
Não obstante, refira-se que vários autores defendem que, em muitos exemplos, não é fácil distinguir anástrofe de hipérbato.
Nos versos de Camões, existe uma alteração da ordem natural das palavras:
(1) «Das naus as velas côncavas inchando» (= «inchando as velas côncavas das naus»)
(2) «Da branca escuma os mares se mostravam/ Cobertos» («os mares mostravam-se cobertos da branca escuma»)
Se compararmos os versos originais com os enunciados onde se faz a reposição da ordem natural, poderemos afirmar que esta alteração não foi violenta: em (1), ao verbo antepõe-se o complemento direto e a este constituinte antepõe-se o complemento do nome; em (2) antepõe-se o complemento do adjetivo.
Por esta razão, a meu ver, estamos perante um caso de anástrofe.
Disponha sempre!
1. Massaud Moisés, Dicionário de termos literários. Cultrix, p. 26
2. Para esta resposta, consultaram-se as seguintes obras: Pujante, Manual de retorica. Ed. Castalia, 2003; Garavelli, Manual de retorica. Ed. Catedra, 1991.