1. O português europeu identifica-se com o português falado na região compreendida entre Coimbra e Lisboa: é a norma-padrão. A norma-padrão do português é um referencial linguístico, é a língua que se ensina nas escolas a alunos que têm o português como língua materna e a alunos que têm o português como língua estrangeira; é a que é alvo de descrição nas gramáticas, nos prontuários e nos dicionários.
Porque é que a língua-padrão corresponde ao modo de falar da região Coimbra — Lisboa e não ao modo de falar do Alentejo, Porto ou Beiras? Por decisão institucional.
O que decorre daqui é que o falar de Coimbra — Lisboa é tomado como sendo mais prestigiante em relação a outros modos de falar, ou outras variedades regionais, ignorando-se que o português que se fala nessa região é, afinal, também, uma variedade regional. O [s] beirão, o [õ] (pelo ditongo nasal) do Porto, o [e] (pelo ditongo ɐj], em "lête"— "leite") do Alentejo são usos muitas vezes depreciados socialmente. São erros? Não, são marcas de variações regionais de ordem fonológica. Tal como não é erro dizer anho em vez de cordeiro, ou à minha beira em vez de ao pé de mim (variação regional de ordem lexical e variação de ordem lexical e morfossintáctica, respectivamente).
Regressando à questão da pronúncia: considera-se, então, que todos os modos de pronunciar são equivalentes? Não. Por exemplo, a crescente tendência para pronunciar amámos da mesma forma que amamos não é funcional — e, apesar disso, anda na boca de falantes do Norte, do Centro e do Sul, do Porto e de Lisboa. O diferendo entre a articulação em amámos, com [a], vogal aberta, e a articulação em amamos, com [ɐ], vogal semifechada, marca que estamos no pretérito perfeito ou no presente do indicativo. Por outras palavras, há uma oposição no som que corresponde a uma oposição de significado. Contrariamente, para efeitos do apuramento do valor distintivo dos sons, tanto faz que digamos que um cão é [kɐ̃w], como que um cão é [kõ].
2. Devemos distinguir entre variação regional e variação social: dizemos que a norma padrão corresponde ao falar da região Coimbra-Lisboa, o que não quer dizer que em Lisboa toda a gente fale do mesmo modo. Veja-se o chamado "falar das tias", que é uma variação social. Cumulativamente, também se verifica, no universo de falantes residentes em Lisboa, as pronúncias [seʃtu] ("sesto") e [sɐjʃtu] ("seisto") — com prejuízo para o valor distintivo dos sons implicados. De facto, ao dizer [seʃtu], tanto podemos estar a considerar cesto como sexto.
3. A fundamentação ortográfica com que o consulente sustenta o argumento de que em rio (curso de água) há hiato e de que em riu (verbo) há ditongo não tem validade. Há hiato sempre que o [i] ou [u] é tónico: há hiato em frio, tio, mas também em triunfo e ciúme; o topónimo Diu, que se pronuncia monossilabicamente, já teve a grafia Dio.
4. Há uma regra fonológica — chamada "regra do vocalismo átono" — que explica a realização de copo — copinho em [kɔpu] — [kupiɲu]. Mas, como disse no ponto 1, trata-se de uma descrição, e não de uma prescrição, de um fenómeno| verificado na norma-padrão.
Cf. Língua-padrão