Os pares referidos na consulta são, por um lado, os das consoantes sibilantes, em casos como os de cozer/coser e paço/passo, e, por outro, os das consoantes palatais, que hoje se reduzem a duas fricativas, mas no passado contrastavam com as consoantes africadas [tʃ] e [dʒ] (como os sons do italiano em palavras como cena e giorno, respetivamente).
Assim, respondendo às várias questões levantadas:
1. Até ao século XVI, com variações regionais, havia duas fricativas sonoras e duas fricativas surdas. No galego-português e ainda hoje, há um contraste entre o x de baixo e o ch de cacho, mas as opiniões dividem-se quanto a ter existido um contraste entre [dʒ] e [ʒ], pois é bem possível que [dʒ] fosse, afinal, a pronúncia mais antiga de /ʒ/.
2 e 3. O z de cozer era uma fricativa pré-dorsal sonora, e o s de coser, uma fricativa ápico-alveolar sonora; o ç de paço e o o c de cento e cinto eram uma fricativa pré-dorsal surda, enquanto o s de sinto e passo era uma fricativa apico-alveolar surda. Estes contrastes parecem manter-se entre muitos falantes de Trás-os-Montes e em lugares dos distritos de Viseu e Guarda. Note que as fricativas pré-dorsais terão sido numa fase mais arcaica do português, no período galego-português, consoantes africadas que soavam como "dz" (cozer = "codzer") e "ts" (paço = "patso"). Na norma padrão do português, que é sobretudo baseada em dialetos centro-meridionais, foi neutralizada a oposição que definia os referidos pares, e as consoantes sonoras e surdas passaram a ser apenas articuladas como pré-dorsais. Em regiões como a Beira interior e interior do Minho e parte de Trás-os-Montes, a neutralização do contraste entre os pares fez-se a favor da pronúncia ápico-alveolar destas consoantes (trata-se do chamado s de Viseu). Quanto às atuais pré-palatais, [ʃ] e [ʒ], os documentos históricos permitem pensar que o contraste entre o [ʃ] de baixo e o [tʃ] de cacho se manteve até bastante tarde – de tal maneira que ainda hoje em Portugal se ouve [tʃ] em falantes do centro e norte interiores.
Sobre este tema, sugerimos a consulta das respostas indicadas nos Textos relacionados, nas quais se encontram referências a vários estudos. Há ainda uma obra que já tem décadas de publicação, mas ainda atual e muito útil: Paul Teyssier, História da Língua Portuguesa, Sá da Costa, 1982.