Antes de comentar cada um dos casos referidos pelo consulente, importa saber que o consulente foca dois casos diferentes de composição: um é o percurso de sócio- ou socio- como elemento antepositivo de composição erudita; outra é a questão geral da grafia dos compostos eruditos. Em ambas as situações as normas gráficas aplicadas têm sido, em Portugal, as do Acordo Ortográfico de 1945 (Base XXIX). As normas a introduzir com o novo Acordo Ortográfico são as que constam da Base XVI do mesmo.
1. Pedimos o parecer de D'Silvas Filho sobre a grafia de palavras que incluam o elemento sócio-:
«Rebelo Gonçalves, no seu Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa, recomenda: "Nos compostos em que entram, morfològicamente individualizados, um ou mais elementos de natureza adjectiva terminados em o e uma forma adjectiva", deve-se usar o hífen. Exemplos da obra: "africano-árabe", "físico-químico-naturais". Nesta ideia e considerando sócio um adjectivo, na alternativa aceite pelo Dicionário Houaiss, eu escreveria: sócio-político, e sócio-político-económico.
Note, porém, que o léxico já regista sociopolítico e socioeconómico. As justificações de Rebelo Gonçalves são difíceis de sustentar presentemente, pois pouca gente consegue descortinar hoje a origem grega ou latina dos agrupamentos de letras para poder escolher convenientemente, e, além disso, o uso muitas vezes ignorou essas regras.
Por outro lado, não posso recomendar a fusão dos três elementos, para se ter uma unidade mórfica, como se teria em sócio-político-económico, pois, como muito bem refere, a índole da língua é avessa a palavras muito longas fundidas numa só.
Então, poderia escrever «simultaneamente sociopolítico e socioeconómico». Claro que estilisticamente não é a mesma coisa. Ora lembro que a inovação sensata enriquece a língua. O inovador não deve escandalizar a comunidade linguística, mas, também, não pode sentir-se sempre escravo das convenções, senão está inibido de inovar… Por isso, eu corro o risco de preferir sócio-político-económico (se a ideia é dar igual importância a cada um dos factores).»
Acrescente-se que os comentários e as sugestões de D'Silvas Filho não invalidam a opção de retomar a forma plena de palavras reduzidas como sócio- numa estrutura de coordenação: «social, político e económico.»
Convém lembrar que sócio- se confunde com socio-, que faz parte de sociologia e sociolinguística. Nestes substantivos não tem de haver hífen, conforme o Acordo de 1945; mas em sociológico também não há hífen, uma vez que se trata do prefixo socio-. Do mesmo modo, sociolinguístico não é hifenizado, porque socio- é um prefixo, e o adjectivo derivado de sociolinguística significa «relativo à sociolinguística» e não «social e linguístico». É curioso observar que Rebelo Gonçalves, no Vocabulário da Língua Portuguesa, de 1966, não acolhe as palavras que acabo de mencionar, mas estabelece as formas sociopsicologia e sociopsicológico, este sem hífen. Depreende-se que o critério para a ausência de hífen na forma adjectival é semântico, porque quer dizer «relativo à sociopsicologia» e não «social e psicológico».
Temos aqui condições que favorecem a construção de formas como socioeonómico, que, como observa D´Silvas Filho, deveria ser realmente sócio-económico, quando significa «social e económico». A existência de substantivos como sociologia e, com os respectivos adjectivos sem hífen, criou as condições para a criação de um prefixo que vê alterados o significado e a funcionalidade originais por recomposição ou reanálise. O mesmo é dizer que estamos perante um falso prefixo ou prefixóide, como acontece com auto-, quando significa «relativo ao automóvel» (auto-estrada) ou tele-, quando remete para televisão (telenovela). O uso de hífen com este tipo de prefixos pode ser bem caprichoso, impondo cada um as suas restrições.
Observe-se ainda que a história dos elementos sócio- e socio- tem a interferência do francês científico, segundo se conclui das indicações do Dicionário Houaiss:
«antepositivo, do fr. socio-, depreendido do rad. de social `social´ e de société `sociedade´, der. do lat. socĭus,ĭi `companheiro, sócio, aliado´; ocorre em vários compostos do sXIX em diante, com a idéia de `social, sociedade´ [...].»
Em suma, o uso impôs o elemento de composição socio-, e daí escrever-se socioeconómico, sociopolítico. Seria certamente mais coerente escrever sócio-, com hífen e acento agudo, justamente para mostrar que a forma era originalmente um elemento de natureza adjectiva, uma redução de social. Mas quando sócio- surge associado a outros elementos de natureza adjectival, é legítimo regressar aos preceitos de Rebelo Gonçalves e escrever como D´Silvas Filho sugere: sócio-político-económico.
2. Em relação aos outros compostos, as regras gráficas vigentes (e mesmo as do novo Acordo Ortográfico) não permitem sequências como <th>, <ph> ou, com o som [k], <ch>, as quais poderiam surgir do encontro de elementos de origem grega ou latina que participam de compostos eruditos. No citado Tratado de Ortografia, publicado em 1947, definem-se duas normas:
«2) É inadmissível o uso do hífen nos compostos em que um elemento de origem substantiva, proveniente do grego ou do latim e terminado em o, se combina com um ou mais elementos substantivos ou adjectivos. Em tais compostos faz-se sempre a união completa dos elemento iniciais imediatos.» (pág. 250)
Exemplos (ibidem): broncopneumonia, encefalomedular, gastrepatite, zigomatolabial (origem grega); auriculoventricular, dorsocostal, mucopurulento, temporomaxilar (origem latina).
Os exemplos seleccionados pertencem ao registo da medicina. Mas os casos apontados pelo consulente, que se relacionam com a farmacologia, seguem o mesmo princípio. Desta maneira, se acontecer que há encontro de vogais iguais entre a sílaba final do primeiro elemento e a primeira do segundo, procede-se à contracção ou à supressão de uma dessas vogais. Contudo, as palavras em questão apresentam algumas dificuldades de formação. Sobre este aspecto, consultámos dicionários gerais e especializados disponíveis e pedimos também o parecer de D´Silvas Filho. Analisemos cada caso:
A. paratormona
Trata-se de termo registado no Dicionário Médico de L. Manuila et al. (Lisboa, Climepsi) como sinónimo de hormona paratiroideia; este dicionário dá como termos estrangeiros equivalente o francês parathormone e o inglês parathormone. A sequência parat- é redução de paratiroideia, motivada por idênticas reduções nos termos equivalentes francês e inglês (ver também o Dicionário de Termos Médicos de Manuel Freitas e Costa, Porto, editora, 2005). Esta palavra é, pois, uma amálgama, resultando da truncação de paratiróide associada a hormona.
B. imunoemoterapia
Esta forma é preferível a "imuno-hemoterapia", justamente para respeitar o princípio de Rebelo Gonçalves atrás enunciado. A junção do elementos de composição (imuno- e hemoterapia) determina a supressão do <h> do segundo elemento.
C. "deidroepiandrosterona"
Registado no Dicionário de Termos Médicos de Manuel Freitas e Costa (Porto, Porto Editora, 2005) com o significado de «hormona androgénica» e sinónimo de deidroandrosterona. Assinale-se que este dicionário acolhe formas em que o elemento de- tem como alternativa des-: deidrase e deidogenase vs. desidrase e desidrogenase. Uma vez que de- é muitas vezes uma adaptação pouco adequada do inglês de-, do ponto de vista etimológico, o mais correcto será usar des- e escrever desidroepiandrosterona.
D. hidroxietilcelulose
D´Silvas Fiho considera que «temos de aceitar hidroxietilcelulose, pois se trata da união do antepositivo hidroxi- com etilcelulose (existe, por exemplo, dicionarizada hidroxiácido)».
E. "cloridrato de trans-4-[(2-amino-3,5-dibromobenzil)amino]-ciclohexanol"
D´Silvas Filho considera que «o que se segue à preposição de não é uma palavra da língua portuguesa, mas um arranjo alfanumérico, no qual o hífen e os parênteses são símbolos tão legítimos como as letras e os algarismos».
Em conclusão, há de facto princípios que regem a formação de compostos de elementos gregos e latinos. Além disso, é necessário estar alerta em relação a adaptações apressadas de línguas estrangeiras, sobretudo do inglês, por os referidos elementos de formação não terem estrutura morfológica e gráfica igual à portuguesa, e os critérios que as regem poderem ser diversos dos aplicados ao português. Contudo, há palavras e expressões das áreas de especialidade em causa que estão sujeitas a normas próprias, que terão de ser mantidas na adaptação portuguesa, como se mostra no último exemplo, em que intervém um código alfanumérico.