É um caso dúbio, até porque a frase parece provir de um texto reflexivo ou ensaístico, e a sinestesia é mais típica ou do texto póético ou da descrição em textos narrativos. Mesmo assim, pode considerar-se que o uso de ler que a frase ilustra é, estilisticamente, uma sinestesia.
Aceitando que ler sugere denotar o exercício da faculdade da visão, dir-se-á que ler sentimentos, gestos e silêncios é conjugar a capacidade de ver com outro tipo de perceção, a das emoções, marcada pela palavra sentimentos, e a sonora, evocada negativamente por silêncios. Sendo assim, poderia pensar-se que «leem sentimentos, gestos e silêncios» configura uma sinestesia, entendendo esta como uma expressão em que se associam sensações diferentes.
Não obstante, também se poderá afirmar que a frase em questão atesta um uso especial de ler, através de um processo de extensão semântica que o faz sinónimo de interpretar. Nesta perspetiva, é possível aproximar este uso do verbo ler do termo literacia, a qual, no entanto, não tem a mesma etimologia1. Além disso, ler, mais do que verbo de perceção (neste caso, a visão), é um verbo que denota um processo intelectual, razão por que se afigura mais natural considerar «leem sentimentos, gestos e silêncios» como um caso de uso figurado de ler como equivalente de interpretar.
Convém, portanto, desaconselhar a abordagem de casos como o da questão num exercício escolar para apreensão ou reconhecimento do conceito de sinestesia, visto ser pouco ou nada esclarecedor quanto à identificação desta figura de retórica.
1 Ler vem de legere, que em latim significava «ler», embora em fases mais arcaicas significasse «recolher». O radical de literacia é o do latim littera, que tem origem incerta (talvez do grego diphthera, «placa, tabuinha», por via do etrusco) e que deu letra em português. Ver Dicionário Houaiss e, em inglês, o Online Etymology Dictionary.