Os casos apresentados ilustram um uso particular do verbo fazer, talvez limitado a certos falantes de português – da Guiné-Bissau, provavelmente, dado a construção ser assinalada por um consulente que se identifica como natural ou morador neste país.
Pelo contexto, depreende-se que tais de usos de fazer são sinónimos de passar ou ficar:
(1) «Fiz cinco anos no Brasil.» = «Passei/fiquei cinco anos no Brasil.»
(2) »Fizemos dois meses em Biombo.» = «Passámos/ficámos dois meses em Biombo.»
Nas fontes consultadas para a elaboração desta resposta, não foi possível atestar este uso1, nem achar comentário descritivo ao seu respeito2. Mesmo assim, arriscando uma primeira interpretação, dir-se-ia que se desenvolve da construção impessoal «faz... anos»: em vez de se dizer que «faz cinco anos que estou no Brasil» (ou «fez cinco anos que estou no Brasil»), o verbo fazer torna-se pessoal, à semelhança dos verbos passar ou ficar. Esta será um novo alargamento da sintaxe de fazer, que parece desconhecido, por exemplo, em Portugal.
Quanto à correção deste uso, é difícil emitir um juízo normativo, justamente, porque, ao que se sabe, na Guiné-Bissau, continua precário o enraizamento da língua portuguesa entre a maioria da população guineense, que ainda não a fala como idioma materno. Não tendo ainda formado uma norma-padrão nacional, a questão levantada talvez reflita a perspetiva segundo a qual a norma e o padrão de uso na Guiné-Bissau ainda vem do antigo país colonizador, Portugal. Se assim for, dir-se-á que «fiz cinco anos no Brasil», no sentido de «passei cinco anos no Brasil», não constitui uma frase correta, ou seja, entre falantes de português de outros países, afigura-se preferível um guineense recorrer a passar e ficar. Esta avaliação não foge ao seu questionamento: porque não há de um guineense empregar a língua portuguesa tal como ela funciona no seu país? Até que ponto não é «fiz cinco anos no Brasil» uma frase inteligível para todos os falantes de português independentemente da variedade que falem? Por outro lado, não será o uso em referência demasiado instável para se definir como tendência clara do português guineense e, portanto, ser considerado como marca de um padrão linguístico emergente?
Em síntese, o uso de fazer com sinónimo de passar será característico do português de certos falantes, pelo menos, na Guiné-Bissau, e pode ser aceite como variante. Na comunicação mais formal, oral ou escrita, compreende-se que, por enquanto, seja evitada, por não fazer parte dos usos mais estáveis das variedades de português existentes.
1 Foi consultado o Corpus África (que faz parte do Corpus de Referência do Português Contemporâneo, do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa), restringido a pesquisa à Guiné-Bissau, mas, como seria de esperar de um corpus de texto escrito, não se detetaram ocorrências da construção em apreço. O mais que se lhe aproxima é uma sequência que ilustra o uso de «fazer anos», no sentido de «comemorar o (seu) aniversário»: «Quantos são?/– Dez. Achas que poderiam cá vir almoçar um dia?/ – A avó Nina faz anos dentro de dias» (idem, ibidem).
2 Consultaram-se os capítulo 4 e 7 da Gramática do Português, de E. B. Paiva Raposo et al. (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, pp. 71-81 e 157-178).
3 Há uma década, a linguista Filomena Embaló referia como fraca a implantação do português na Guiné-Bissau: «Língua materna de uma insignificante percentagem da população, o português não é a língua de comunicação nacional, na medida em que apenas cerca de 13% dos guineenses a falam, incluindo os que a têm como língua segunda, terceira ou até mesmo quarta para a maior parte dos guineenses.» ("O crioulo da Guiné-Bissau: língua nacional e factor de identidade nacional", PAPIA: Revista Brasileira de Estudos do Contato Linguístico,18, 2008, p. 101-107).