A expressão da condição está longe de ser pacífica, se tivermos em conta o uso e o compararmos com o que a norma determina. Segundo a norma, os tempos e os modos verbais da condição estão bem definidos e são inequívocos. Partindo do princípio, reconhecido na sua globalidade por todos ainda que com variação nas designações, de que pode haver condições reais, hipotéticas e irreais, definem-se articulações entre os tempos e os modos que, só por si, veiculariam os diversos tipos de condição. Assim, para representar uma condição real disporíamos de estruturas em que na subordinada ocorre o presente do indicativo e na subordinante o presente do indicativo, como em (1), o futuro, como em (2), ou o imperativo, como em (3).
(1) Se queres, empresto-te o livro.
(2) Se queres, emprestar-te-ei o livro.
(3) Se queres saber, lê o livro.
Para além do facto de frases como (2) ocorrerem cada vez menos, não me parece haver grande diferença de sentido entre (1) e (4), ou entre (3) e (5), embora (4) e (5) sejam, para muitos gramáticos, incluídas no grupo das condições hipotéticas, enquanto, como já vimos, (1) e (3) se incluem na condições reais.
(4) Se quiseres, empresto-te/emprestar-te-ei o livro.
(5) Se quiseres saber, lê o livro.
A mesma observação poderá fazer-se se analisarmos algumas frases condicionais que, pela sua estrutura, ou melhor, pela articulação tempo-modo que apresentam, veiculariam condições irreais, como acontece em (6), que interpreto como hipotética:
(6) Se viesses cedo, jantavas/jantarias comigo.
Note-se que (6) diverge claramente, a meu ver, de (7), essa, sim, uma condição irreal, ou contrafactual:
(7) Se tivesses vindo cedo, terias/tinhas jantado comigo.
Os exemplos apresentados até agora, podendo embora veicular sentidos diversos dos que lhe são atribuídos tradicionalmente, mantêm a estrutura prevista nas gramáticas. Todavia, não esgotam a expressão da condição no uso que dela fazemos, o que leva alguns estudiosos a referir a necessidade de se rever a classificação tradicional, por não corresponder à efectiva aplicação que se faz destas construções. Regista-se essa orientação no artigo A oração condicional no português falado em Portugal e no Brasil, de Judit Tapazdi e Giampaolo Salvi, publicado na revista DELTA: Documentação de Estudos em Lingüistica Teórica e Aplicada, vol. 14, extra série, S. Paulo, Universidade Católica, 1998, e disponível “on-line” aqui.
Nesse artigo assinala-se, por exemplo, a diferença de opção do tempo, ou modo, da subordinante em frase como (6) acima. Segundo os autores, no português europeu é mais comum a ocorrência de frases como (6.1), enquanto no Brasil ocorrem preferencialmente frases como (6.2).
(6.1) Se viesses cedo, jantavas comigo.
(6.2) Se viesses cedo, jantarias comigo.
Os autores referem ainda como aspecto mais surpreendente o que ocorre em construções como a que o consulente indica em que, em vez do imperfeito do conjuntivo, ou do pretérito mais-que-perfeito do conjuntivo composto, ocorre o presente ou o pretérito perfeito composto e que, segundo estes estudiosos, é característico do português europeu.
Não encontrei estudos que me permitam apresentar conclusões ou dados mais aprofundados sobre o tema, mas a análise de duas ou três frases permite-me identificar duas situações em que tal construção ocorre:
a) Contexto linguístico: quando a subordinada está na forma negativa veiculada pelo advérbio não, como nas frases (8), (9) e (10):
(8) Se eu não os obrigo a sair, certamente morriam lá. (retirada do artigo citado)
(9) Se a bola não toca na trave, era golo.
(10) Se não tenho posto o pé no travão, batia de certeza.
Note-se que, em (10), o pretérito perfeito composto não tem o sentido frequentativo que lhe é característico. Note-se ainda que na subordinante destas frases o uso do condicional não produz, parece-me, um resultado tão positivo:
(8.1) Se eu não os obrigo a sair, certamente morreriam lá. (retirada do artigo citado)
(9.1) Se a bola não toca na trave, seria golo.
(10.1) Se não tenho posto o pé no travão, bateria de certeza.
b) Contexto comunicacional: quando pretendemos interpelar alguém:
(11) Se me permite, gostaria de lhe fazer uma pergunta.
Neste segundo caso, o uso do condicional na subordinante parece-me preferível, talvez por veicular um sentido de delicadeza.
Um outro estudo, incidindo apenas sobre o português do Brasil, intitulado Graus de vinculação das condicionais no discurso publicitário, de Rosane Santos Mauro Monnerat, publicado na revista Linguagem & Ensino, vol. 6, n.º 2, Pelotas, Universidade Católica, 2003, e disponível “on-line” aqui, para além de apontar exemplos brasileiros semelhantes a (6.1) em que ocorre o imperfeito na subordinante, refere igualmente o uso de frases como (11). A autora, na linha do que é feito para outras línguas, propõe a divisão da expressão da condição em dois grupos: a condição directa, que teria a tripartição apontada em cima e que incluiria as ocorrências mais consentâneas com a descrição tradicional da condição, e a condição indirecta, em que se incluem realizações mais marginais, ou periféricas, como as que ocorrem nos exemplos (8) a (11).
Pode concluir-se que construções condicionais como a que está em apreço, embora não contempladas nas gramáticas normativas, fazem parte da estrutura global da expressão da condição, estando, eventualmente, disponíveis para estudos mais aprofundados que permitam uma explicação cabal da sua a ocorrência, que aqui se não faz, pois é assunto para trabalho mais ambicioso, como um mestrado ou mesmo um doutoramento.