DÚVIDAS

Ainda a concordância verbal com «um dos que»

«...Um dos maiores cartunistas português...» ou .«..um dos maiores cartunistas portugueses...»?

As duas frases não me parecem erradas, no entanto, fica-se na dúvida sobre qual será a mais correcta.

Grato pela atenção.

Resposta

A frase indiscutivelmente correta é «..um dos maiores cartunistas portugueses...». E, no Ciberdúvidas, a propósito desse assunto, várias são as explicações dadas, em respostas anteriores: aqui, aqui, aqui aqui.

Contudo, vale pena registar aqui um parecer que José Neves Henriques (1916-2008) considerava não ter argumentos consistentes – o de Rodrigues Lapa (1897-1989), na Estilística da Língua Portuguesa (Coimbra Editora, 1979):

«Um caso [...] muitas vezes debatido tem sido o da concordância de frases como esta: "Foi dos primeiros que chegou lá acima". Os gramáticos censuram esta forma e preconizam, conforme à boa lógica, o verbo no plural: "... que chegaram lá acima". Ora a verdade é que os Clássicos usaram também a primeira forma, como se pode ver destes exemplos de Fr. Luís de Sousa e de Manuel Bernardes:

1. Foi uma das primeiras terras de Espanha, que recebeu a fé de Cristo.

2. Uma das cousas, que derrubou Galba, foi tardar algum tanto.

Tudo depende afinal em saber qual é o antecedente do pronome relativo: se uma, se o plural que se lhe segue. Vê-se bem que os dois escritores empregaram o verbo no singular, porque querem chamar mais vigorosamente a atenção para uma terra e para uma cousa; o plural faria com que essa terra e essas cousas se não distinguissem perfeitamente do grupo das outras, em cuja companhia vêm mencionadas. Este uso da dupla concordância dá-se em outras línguas. E a Academia Francesa teve, em 1798, o bom senso de admitir o singular ou o plural em frases como esta: "A astronomia é uma das ciências que mais honra (ou honram) a humanidade". Seria a nossa capaz desta liberalidade?»

Mais recentemente, adotando um ponto de vista descritivo, a Gramática do Português da Fundação Calouste Gulbenkian (2013-2020, pp. 2489 e ss.) converge com esta posição. Recorde-se, porém, que há bons argumentos dos pontos de vista sintático e semântico para privilegiar a concordância no plural neste tipo de construção, como já os linguistas João Andrade Peres e Telmo Móia1 defenderam (ver resposta "A concordância na sequência «uma das razões pelas quais", de Pedro Mateus, em 28/03/2011).

 

1 Áreas Críticas da Língua Portuguesa (Editorial Caminho, 1995, p. 496).

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