Em jeito de nota prévia, e de forma muito genérica, penso que nunca será de mais relembrar que as questões linguísticas relacionadas com a área da concordância não são evidentes nem lineares, como muito bem nota, por exemplo, Eunice Marta nesta resposta.
Dito isto, passo então a responder às questões concretas que aqui são apresentadas pela consulente. Tentarei mostrar, em primeiro lugar, a intenção comunicacional subjacente à utilização de cada uma das estruturas mencionadas. Seguirei, num segundo momento, para a análise da viabilidade — ou não — da sustentação sintáctica e semântica de umas e de outras. No primeiro excerto sugerido, «uma das razões pelas quais», o sujeito que o enuncia pretenderá salientar, dentre várias, uma razão muito concreta que justifique, por exemplo, uma determinada acção. Ex.: «Uma das razões pelas quais eu desisti da viagem teve que ver com a falta de dinheiro», ou «Uma das razões pela qual eu desisti da viagem teve que ver com a falta de dinheiro». Sendo assim, vejamos: no primeiro caso, a expressão «pelas quais» encontra-se intimamente relacionada com o nome plural razões, isto é, «pelas quais» especifica, ou explicita, o universo de «razões» de que se está a falar (neste caso, das que levaram à desistência da viagem). Posteriormente, é seleccionada, de dentro do referido universo de «razões», «a razão» que se pretende salientar, facto que fica desde logo claro, no início do excerto, com a utilização da palavra uma. No segundo caso, «pela qual» estará, em primeiro lugar, associada à palavra singular uma, e não a razões. Neste contexto, pretender-se-á destacar não tanto o facto de existir uma constelação de «razões», na qual se inclui a «razão» que se pretende fazer sobressair, mas sobretudo a «razão» que, de acordo com o emissor desta mensagem específica, terá levado à desistência da viagem. Assim, neste caso, não deixando de se veicular a ideia de que existe um conjunto de «razões», o enfoque é dado àquela «razão» específica.
No que diz respeito ao segundo excerto proposto, «uma das alunas que foram à visita...», podemos vislumbrar uma análise semelhante, ainda que, neste caso, nos deparemos com um problema de concordância verbal. Mais uma vez, tudo dependerá da perspectiva, ou intenção, do emissor da mensagem. Assim, se se disser «uma das alunas que foram à visita...», estará o enunciador a colocar o enfoque sobre o conjunto de alunas que foram à visita, explicando, portanto, por assim dizer, o conteúdo da palavra alunas: que foram à visita. Seguidamente, de dentro do referido conjunto sairá a «aluna» a que a frase faz referência; caso se opte por dizer «uma das alunas que foi à visita...», estar-se-á essencialmente a dar destaque àquela «aluna» que se encontrava no meio de um determinado grupo de «alunas».
No fundo, constatamos estar, assim, aparentemente, perante uma oração subordinada adjectiva relativa restritiva encarada através de duas perspectivas diferentes.
Este ângulo de análise encontra-se em sintonia, creio eu, com as reflexões tecidas por Lindley Cintra e Celso Cunha, na Nova Gramática do Português Contemporâneo. De acordo com os referidos autores, «Quando o relativo que vem antecedido das expressões um dos, uma das (+ substantivo) [que é o caso exacto dos cenários em análise nesta resposta], o verbo de que ele é sujeito vai para a 3.ª pessoa do plural ou, mais raramente, para a 3.ª pessoa do singular: [...] O verbo no singular destaca o sujeito do grupo em relação ao qual vem mencionado, ao contrário do que ocorre se construirmos a oração com o verbo no plural» (p. 498).
Assim sendo, e apesar de se considerar, na citada gramática, que existe uma solução preferencial (que será a 3.ª pessoa do plural), a opção pela 3.ª pessoa do singular estará sempre dependente, na verdade, da intenção do emissor da mensagem (de dar mais ou menos enfoque ao respectivo sujeito).
Contudo, os autores da referida gramática normativa são bastante cautelosos, chegando mesmo a afirmar que, neste contexto, «são raros os exemplos literários contemporâneos que conjugam o verbo no plural», sendo que «os escritores modernistas brasileiros empregam sistematicamente no plural o verbo relativo à expressão um dos que» (p. 499). De facto, só por curiosidade, numa pesquisa que fiz, apenas a título de exemplo, em seis obras digitais de José Saramago, não encontrei uma única vez, no que se refere ao tipo de construções em análise, o verbo conjugado no plural.
Por outro lado, João Andrade Peres e Telmo Móia (Áreas Críticas da Língua Portuguesa, Lisboa, Caminho, 1995, pp. 495/496) são muito claros ao afirmar que, nestes casos concretos: «[a concordância do verbo com o singular] tem uma aceitação generalizada por parte dos falantes e de algumas gramáticas e está documentada nos nossos melhores escritores. No entanto, por nossa parte, evitamos o seu uso, já que — e sem querermos impor normas — não podemos deixar de a considerar anormal no plano sintáctico e ilógica no plano semântico», sendo que «a anomalia resulta de a concordância de o predicador da frase relativa não estar a ser feita com o pronome relativo — ou o seu antecedente —, mas, sim, com o quantificador um, que é um elemento exterior ao sintagma nominal que primariamente contém a construção relativa», neste caso, o sintagma nominal «uma das alunas que foram à visita». Segundo Móia e Peres, «esta exterioridade será facilmente demonstrada através de uma pronominalização do sintagma nominal mais interior» (ibidem):
a.«Uma das alunas que foram à visita sentiu-se mal durante a viagem.»
b. «Uma delas sentiu-se mal durante a viagem.»
Deste modo, e seguindo a lógica de raciocínio dos referidos investigadores, a concordância do verbo com o singular será legítima só em estruturas adjectivas relativas explicativas, e não restritivas:
a. «Uma das alunas, que foi à visita, sentiu-se mal durante a viagem.»
De facto, segundo Móia e Peres (idem, p. 497), a oração relativa restritiva «que foi à visita» modifica a estrutura nominal plural «alunas», que é o seu antecedente. Isto é, a frase informa-nos de que foram à visita em questão várias alunas, e não apenas uma, «pelo que, tanto na perspectiva sintáctica como na semântica, só o uso do plural [foram] se justifica. Por seu lado, [...] a oração relativa explicativa está aposta à expressão singular [uma das alunas]», concluindo-se que toda esta expressão funciona como antecedente. Assim, cada uma destas frases acaba por descrever uma situação diferente: esta última, a relativa explicativa, embora veicule a ideia de que existem várias alunas relacionadas com a situação em causa, apenas nos informa da presença de uma delas na viagem, nada nos dizendo acerca das restantes, embora possamos até pressupor que não tenham sequer ido à viagem. Os referidos autores propõem ainda uma espécie de teste para consolidarem os argumentos por eles defendidos, isto é, a inclusão da preposição entre na construção em análise:
a) «Uma de entre as alunas que foram/*foi à viagem sentiu-se mal.»
É convicção de Móia e Peres que, neste contexto, a concordância singular seria recusada pela maioria dos falantes. Seguindo esta perspectiva, a primeira estrutura sugerida pela consulente, «uma das razões...», mostra igualmente preferência pelo plural:
a) «A falta de dinheiro é uma das razões pelas quais desisti da viagem» (= «Esta é uma razão entre aquelas pelas quais desisti da viagem»)
b) *«A falta de dinheiro é uma das razões pela qual desisti da viagem» (= *«Esta é uma razão entre aquelas pela qual desisti da viagem»).
Em sintonia com esta linha de pensamento, Rodrigo de Sá Nogueira, por exemplo (Dicionário de Erros e Problemas de Linguagem, Livraria Clássica Editora, Lisboa, 1974), é peremptório: «Diga-se: eu fui um dos que fizeram, tu foste um dos que fizeram, ele foi um dos que fizeram [...]. Nunca se diga, como muitos fazem erradissimamente: eu fui um dos que fez, tu foste um dos que fez, ele foi um dos que fez..., e menos ainda eu fui um dos que fiz, tu foste um dos fizeste.»
Já Maria Helena Moura Neves (Guia de Uso do Português, São Paulo, Editora Unesp, 2003), mais moderada e na linha de Cunha e Cintra, constata que a concordância plural, neste tipo de construções, é a mais usada, sobretudo quando se quer dar relevo à totalidade expressa; porém, segundo a autora, o singular pode-se usar quando a acção se refere a uma única pessoa. Neste caso, a concordância no singular servirá para dar relevo a um indivíduo particular. Ex.: «Foi um dos que peleou na batalha de Ituzaingo» (pp. 769/770).
Também Evanildo Bechara (Moderna Gramática Portuguesa, 2002) conclui que «Em linguagem do um dos que..., o verbo da oração adjetiva pode ficar no singular (concordando com o seletivo um) ou no plural (concordando com o termo sujeito no plural), prática aliás, mais frequente, se o dito verbo se aplicar não só ao relativo mas ainda ao seletivo um: "Este era um dos que mais se doíam do procedimento de D. Leonor" [...]; "Um dos nossos escritores modernos que mais abusou do talento, e que mais portentos auferiu do sistema..." [...]; Demais, um dos que hoje deviam estar tristes, eras tu.»
Finalmente, creio que valerá ainda a pena referir que Maria Helena Mira Mateus e outras, na Gramática da Língua Portuguesa, numa passagem dedicada às expressões partitivas (pp. 364-365), salientam que, nestes casos, «Em relação à concordância, o verbo concorda com a expressão de quantidade», e dão como exemplo a seguinte frase: «Uma porção desses livros estragou-se», considerando as referidas autoras como marginal, ou agramatical, «Uma porção desses livros estragaram-se». Partindo desta regra, e ainda que a estrutura apresentada pelas referidas autoras não seja relativa, como acontece com os excertos propostos pela consulente, podemos porventura admitir que a mesma possa eventualmente contaminar também o tipo de estruturas aqui em discussão.
Em conclusão, e tendo em conta o exposto, não se pode dizer que a construção um dos que + verbo no singular não ocorra, ou que esteja liminarmente errada. Há, no entanto, como vimos, bastos argumentos, dentro e fora da tradição normativa, mais ou menos purista, contra a concordância no singular.