Concordamos com a observação do consulente. Na frase que apresenta, o sujeito do verbo arranjar é o pronome relativo que, enquanto o sujeito do verbo foi é Manuel. Sendo relativo, o pronome vai buscar a sua referência a um elemento que, apesar de estar elidido, está subentendido, o qual pode ser pode ser vários (ou outro pronome no plural, como muitos ou aqueles) ou um nome como homens, desempregados, etc. Se fizermos a paráfrase da frase, podem ficar mais explícitas as relações entre os constituintes:
1) «Dos [vários] que arranjaram emprego, Manuel foi um deles.»
No caso da frase de Saramago, a situação é idêntica, com a diferença de termos o verbo semiauxiliar acabar, que flexiona em concordância com o sujeito, e do verbo principal concretizar-se, que está no infinitivo. O sujeito de «acabou por não se concretizar» é o pronome relativo que, o qual vai buscar a sua referência ao antecedente sonhos. Fazendo o mesmo exercício de paráfrase proposto anteriormente, obtemos a seguinte frase:
2) «Dos sonhos que acabaram por não se concretizar, [?] foi um deles.»
Se retirarmos o verbo semiauxiliar, cuja função como verbo aspectual é transmitir a noção de “processo” (ou seja, dando o valor aspectual [+ durativo]), obtemos frases que se comportam de modo semelhante à acima apresentada:
3) «[?] foi um dos sonhos que não se concretizaram.»
4) «Dos que sonhos que não se concretizaram, [?] foi um deles.»
O facto de José Saramago ser uma das maiores referências no mundo das letras portuguesas não significa que não tivesse as suas dúvidas e que não fizesse os seus erros, como todos nós, comuns mortais (leia-se, a propósito, a referência neste texto às dúvidas gramaticais dos escritores). Sendo uma frase colhida numa entrevista, o jornalista José Carlos Vasconcelos, outra referência das letras portuguesas, terá, talvez, optado por manter a forma original, mas em casos como este o jornalista deverá corrigir o erro do entrevistado.