Entre as fontes disponíveis, total ou parcialmente dedicadas à pontuação1, não se encontraram indicações precisas sobre o uso da vírgula em situações como as descritas na pergunta. Estas configuram as chamadas construções de topicalização, isto é, estruturas resultantes da deslocação de constituintes frásicos da sua posição canónica2 para o começo da frase.
No entanto, mais recentemente, o emprego de vírgula com estas construções é mencionado numa breve observação na Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, p. 404, nota 6):
«O estatuto periférico destas posições é assinalado na escrita através de uma vírgula ou, em certos casos, de reticências; na oralidade, as expressões que ocupam estas posições apresentam-se sempre demarcadas entoacional ou ritmicamente do resto frase.»
Conjugando a descrição desta prática com o exame de vários exemplos da escrita de frases na ordem indireta ou com constituintes topicalizados, é possível inferir um conjunto de recomendações – não se trata de regras nem de normas estritas – sobre o uso da vírgula na situação em causa. Assim:
I- Com o complemento direto deslocado para o começo da frase (topicalizado), a vírgula não é obrigatória, quando há inversão do sujeito:
(1) «O livro deu-lhe ele.»3
II- A vírgula torna-se necessária em situações em que o complemento direto topicalizado é seguido pelo sujeito ou retomado por um pronome:
(2) «O livro, ele deu-lhe.»/«O livro, deu-lho ele.»
III- Depois do complemento indireto topicalizado, retomado ou não por um pronome pessoal, convém que ocorra também uma vírgula, sobretudo quando a frase tem sujeito realizado:
(3) «Ao João, ela deu um livro.»
(4) «Ao João, ela deu-lhe um livro.»
(5) «Ao João, deu-lhe um livro.»
Note-se, porém, que, estando o sujeito subentendido e não havendo retoma do complemento indireto por um pronome pessoal átono, pode considerar-se que a vírgula é facultativa:
(5) «Ao João, deu um livro.»/ «Ao João deu um livro.»
1 Foram consultadas as seguintes obras: Rodrigo de Sá Nogueira, Guia Alfabética de Pontuação, Lisboa, Livraria Clássica Editora, 1974; Jaime Rebelo, Pontuação e Análise Sintáctica, Coimbra, Coimbra Editora, 1957; Vasco Botelho de Amaral, Grande Dicionário de Dificuldades e Subtilezas do Idioma Português, s. v. vírgula; Napoleão Mendes de Almeida, Dicionário de Questões Vernáculas, 1994, s.v. vírgula; Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, pp. 640-646; Evanildo Bechara, Moderna Gramática da Língua Portuguesa, Rio de Janeiro, Editora Lucerna, 2002, 609/610.
2 No português, a ordem mais comum da frase é sujeito-verbo-complementos, ou, como é também muito corrente nos estudos de linguística, sujeito-verbo-objeto, sequência que é notada pela sigla SVO. Fala-se de construções de tópico marcado, quando «[...] o constituinte em posição inicial sobre o qual se estabelece a predicação não é o sujeito» (Gramática do Português, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 401 e 404) ; exemplo: «A viagem ao México, nós só a concretizámos nas férias passadas» (idem, ibidem).
3 Mas, numa frase na ordem inversa (complemento direto/verbo/sujeito), o complemento direto em início de frase será seguido de vírgula, se for necessário distingui-lo do sujeito. Exemplo: «O regente, assassinou o conjurado» (= «o conjurado assassinou o regente»). Agradeço a Carla Marques, consultora permanente do Ciberdúvidas, a informação dada sobre este caso.