Do ponto de vista gramatical, são corretas tanto «enviou-se-vo-la» como «enviou-se-vos ela». Pelo seguinte:
1. A frase «enviou-se-vo-la» corresponde ao uso do pronome pessoal se como marca de indefinição do sujeito (o chamado se impessoal, equivalente a alguém). Este uso de se é compatível com o pronome de complemento indireto vos (também se diz que esta é uma forma de dativo) e, se este estiver associado ao pronome o ou a, que tem a função de complemento direto (e, daí, também se referirem estes pronomes como formas de acusativo), parece não existirem nem doutrina normativa nem rejeição com base intuitiva que descartem tal sequência pronominal. De resto, se é correta uma sequência como «enviou-se-lha», em que lha (lhe + a) forma com se um grupo de pronomes átonos – ou grupo clítico, para empregar um termo proposto pela Gramática do Português (GP) da Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, pág. 2235 –, então, também é gramatical «enviou-se-vo-la», que inclui a sequência vo-la associada a se.1
2. Quanto a «enviou-se-vos ela», trata-se de uma construção passiva – diz-se que se é uma partícula apassivante –, em que «ela» é sujeito posposto de «enviou-se-vos». Esta construção é equivalente à construção passiva analítica formada pelo auxiliar ser e o particípio passado verbo principal: «ela foi-vos enviada», ou, com sujeito posposto, «foi-vos ela enviada».
1 Sobre a associação de pronomes pessoais átonos (grupos clíticos), as suas compatibilidades e as suas restrições, observa a GP (pág. 2235): «Dentro dos grupos clíticos, os pronomes pessoais apresentam uma ordem fixa. O pronome se precede sempre qualquer outro pronome clítico e, por sua vez, um pronome clítico dativo precede sempre um clítico acusativo [...]. A ordem se + clítico dativo + clítico acusativo é ilustrada (total ou parcialmente) pelas frases que se seguem: [...] a. Histórias de lobisomens, ouvia-se-lhas vezes sem conta. [se + dat. + ac.]; b. Conta-mas. [dat. + ac.], c. Os olhos encheram-se-lhe de lágrimas. [se + dat.]; d. A boca abriu-se-te de espanto. [se + dat.]» A GP observa ainda que não é permitido um grupo formado por se + acusativo, o que gera assim a agramaticalidade da frase «pinta-se-a de azul» no português-padrão, embora ela não seja impossível no português dialetal (idem, pág. 2236, nota 9). Além disso, são incompatíveis os pronomes pessoais que apresentam formas iguais de acusativo e dativo (idem, ibidem): é impossível «entreguei-me-te completamente», que deve ser substituída por «entreguei-me completamente a ti»; impossível é igualmente «apresentei-me-me», no sentido de «apresentei-me a mim próprio» (exemplos da fonte citada). Nenhuma destas restrições recai sobre os grupos (-)se-lha e (-)se-vo-la, porque os pronomes de 3.ª pessoa têm formas diferentes no acusativo (o, a, os, as) e no dativo (lhe, lhes).
Atualização (13/10/2016) – É preciso salientar que, mesmo no português europeu de hoje, se usa pouco na oralidade os grupos clíticos vo-lo, no-lo. Uma sequência como se-vo-la é, portanto, mais uma virtualidade gramatical do que uma concretização em discurso.