Não está correta, pois na gramática tradicional portuguesa não há registo de contração do pronome reflexo se com o pronome pessoal complemento na forma escrita1. A contração pronominal é possível quando se encontram pronomes pessoais com a função de complemento direto (me, te, lhe, nos, vos, lhes) com os pronomes pessoais o(s) e a(s), que têm a função de complemento direto; por exemplo:
«traz-mo» [me + o];
«faço-to» [te + o];
«diz-lho» [lhe + o];
«traz-no-lo» [nos + o];
«faço-vo-lo» [vos + o];
«diz-lho» [lhes + o].
Porém, na gramática moderna, o se – quer como palavra apassivante, quer como marca de indefinição do sujeito – não se combina geralmente com o pronome pessoal com a função de complemento direto. Esta restrição, não sendo absoluta, tem, no entanto, sido aceite por vários gramáticos, entre eles, Evanildo Bechara, que, na sua Moderna Gramática Portuguesa (2009), observa:
«Nas demais combinações, o português moderno prefere substituir o pronome átono objetivo indireto pela forma tônica equivalente, precedida da preposição a. Enquanto dizemos hoje a mim te mostras ou te mostras a mim, a língua de outros tempos consentia em tais dizeres:
“Porque assi te me mostras odiosa?” [JCR.1 apud SS.1, § 271].
3.ª) A língua-padrão rejeita a combinação se o (e flexões), apesar de uns poucos exemplos na pena de literatos:
“Parece um rio quando se o vê escorrer mansamente por entre as terras próximas...” [LB.2, 49 apud SS.6, n.º 198, 268].
Foge-se ao erro de três maneiras diferentes:
a) cala-se o pronome objetivo direto: Não se quer.
b) substitui-se o pronome o (e flexões) pelo sujeito ele (e flexões): Não se quer ele. Inveja-se a riqueza, mas não o trabalho com que ela se granjeia [MM].
c) se já existe na oração o pronome pessoal de objeto direto (o, a, os, as), usa-se o pronome de objeto indireto na forma tônica precedida da preposição a ou para: “É Vieira sem contradição mestre guapíssimo de nossa língua, e o mesmo Bernardes assim o conceituava; que porém a si o propusesse como exemplar, nem o indica, nem consta, nem se pode com indução plausível suspeitar” [AC apud MBa.5, 54].
Apesar disto, ocorre em bons escritores construção em que se junta o pronome o (e diretos) a verbo na voz reflexiva: “Temo que se me argua de comparações extraordinárias, mas o abismo de Pascal é o que mais prontamente vem ao bico da pena” [MA.9, 29 apud SS.1]. “Não se dá baixa ao soldado quando já não pode com a milícia? Não se lha dá até em tempo de guerra?” [AC.10, II, 106 apud SS.1].»
1 1 Somente na forma oral, é possível um resultado parecido, a elisão, quando depois da conjunção condicional ocorre uma vogal. Por exemplo, diz-se oralmente: «S’ele vier, será bem recebido» ou «S’o Pedro vier, será bem recebido». De salientar que em textos arcaicos há a ilustração de alguns casos de elisão, quer na sequência pronome reflexo + pronome pessoal sujeito, quer quando se produz o encontro da preposição se com palavra começada por vogal::
«(...) no dia que s' ele assina
mas antes por tempo largo.»
(Gil Vicente, Auto da Feira)
ou
«(...) Menino: ... Mãe s’ele quer-me comer
E meu pai nam vos dará.»
(Gil Vicente, Auto da Barca do Purgatório)
N. E. (17/09/2016) – Foram feitas algumas correções na sequência de alguns reparos feitos por Jorge Baptista no Facebook.