DÚVIDAS

A colocação dos pronomes e as regras

Segundo uma resposta datada de 1-09-1997 sobre colocação de pronome na frase, afirma-se que: «a colocação dos pronomes quase não tem regras.» Também se diz no sítio que a colocação dos pronomes depende muito de aspectos como a ênfase e o ritmo. Porém, tenho aprendido que existem algumas expressões ou palavras que obrigam os pronomes a ser colocados na posição proclítica como o advérbio não.

Muito bem. As minhas observações são as seguintes: em frases como «cuidado em não o empregar», «cuidado em não empregá-lo» (segundo o colaborador as duas estão correctas), mesmo devido à presença dos elementos proclisadores, devemos ainda levar em consideração a rítmica e a ênfase? Porque existem então as regras? Será que a rítmica e a ênfase também fazem parte das regras de colocação dos pronomes ou simplesmente estão incluídas naquilo que se diz — «é preciso também sentir a língua e não só entendê-la»? «Não só entendê-la» ou «não só a entender»?

Desculpas pela "longa-metragem" e agradecia que me respondessem à preocupação.

Resposta

Talvez se saiba hoje um pouco mais do que há dez anos sobre a colocação dos pronomes átonos, também conhecidos por clíticos, no português de Portugal. Sem dar respostas definitivas, Gabriela Matos, na Gramática da Língua Portuguesa (Lisboa, Caminho, 2003, pág. 861/862) debruça-se justamente sobre a colocação do pronome átono com um infinitivo precedido dos chamados proclisadores, isto é, palavras que levam a que um clítico preceda o verbo (próclise); sobre a ênclise (colocação pós-verbal) na presença de um constituinte negativo, Matos dá os seguintes exemplos, seguidos de comentários (p. 861):

«[...]

(56) (a) Os meninos preferem não lhe dar o livro.
       (b) Os meninos preferem não dar-lhe o livro.

A aparente distribuição livre de próclise e ênclise nas frases (56) pode ser atribuída à natureza distinta do operador de negação [isto é, não] em (a) e (b): enquanto em (a) não constitui uma instância de negação frásica, em (b) não tem um estatuto quase afixal, semelhante ao que encontramos em frases como (57):

(57) (a) Trata-se de um processo [não natural].
       (b) Persistem dúvidas [não esclarecidas].
       (c) Os [não ouvintes] usam a língua gestual.

Repare-se que a negação quase afixal não desencadeia próclise nem legitima palavras negativas, como se pode observar em (58):

(58) (a) *Os [não ouvintes] a usam.
      (b) *Os [não ouvintes] usam nenhuma língua

Em síntese, próclise e ênclise são legítimas depois do advérbio de negação; a opção entre uma ou outra não se deve a factores de ritmo ou ênfase, mas sim ao diferente estatuto que não pode assumir — ou como negação frásica ou como partícula quase afixal.

Dizer que há um constituinte «quase afixal» pode ser insatisfatório em linguística. No entanto, é muito útil como proposta de descrição gramatical e pista de investigação, reduzindo a impressão de arbitrariedade que eventualmente induz a discussão deste tema.

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa