Talvez se saiba hoje um pouco mais do que há dez anos sobre a colocação dos pronomes átonos, também conhecidos por clíticos, no português de Portugal. Sem dar respostas definitivas, Gabriela Matos, na Gramática da Língua Portuguesa (Lisboa, Caminho, 2003, pág. 861/862) debruça-se justamente sobre a colocação do pronome átono com um infinitivo precedido dos chamados proclisadores, isto é, palavras que levam a que um clítico preceda o verbo (próclise); sobre a ênclise (colocação pós-verbal) na presença de um constituinte negativo, Matos dá os seguintes exemplos, seguidos de comentários (p. 861):
«[...]
(56) (a) Os meninos preferem não lhe dar o livro.
(b) Os meninos preferem não dar-lhe o livro.
A aparente distribuição livre de próclise e ênclise nas frases (56) pode ser atribuída à natureza distinta do operador de negação [isto é, não] em (a) e (b): enquanto em (a) não constitui uma instância de negação frásica, em (b) não tem um estatuto quase afixal, semelhante ao que encontramos em frases como (57):
(57) (a) Trata-se de um processo [não natural].
(b) Persistem dúvidas [não esclarecidas].
(c) Os [não ouvintes] usam a língua gestual.
Repare-se que a negação quase afixal não desencadeia próclise nem legitima palavras negativas, como se pode observar em (58):
(58) (a) *Os [não ouvintes] a usam.
(b) *Os [não ouvintes] usam nenhuma língua.»
Em síntese, próclise e ênclise são legítimas depois do advérbio de negação; a opção entre uma ou outra não se deve a factores de ritmo ou ênfase, mas sim ao diferente estatuto que não pode assumir — ou como negação frásica ou como partícula quase afixal.
Dizer que há um constituinte «quase afixal» pode ser insatisfatório em linguística. No entanto, é muito útil como proposta de descrição gramatical e pista de investigação, reduzindo a impressão de arbitrariedade que eventualmente induz a discussão deste tema.