«De uso controvertido desde sempre, o emprego do hífen, mesmo com as novas regras definidas pelo recente Acordo Ortográfico, continua criando dificuldades para a compreensão do usuário da língua portuguesa», começa por recordar o autor, nesta excelente sistematização que elaborou, com data de 2008, sobre o que mudou – ou não – com a nova reforma do português escrito, nesta área tradicionalmente problemática, dada a dispersão e incoerência nalguns casos de critérios da norma até aqui em vigor. As regras que prevaleceram e/ou foram mais bem clarificadas – ou não, também... – é o que aqui ele enuncia, com a exposição dividida em duas partes, sob os seguintes subtítulos: «(1) Usa-se o hífen; e (2) Não se usa o hífen.» Em cada tópico acrescentaram-se exemplos e, também, observações consideradas necessárias pelo autor ao esclarecimento de cada um deles.
Segue, na íntegra, com a devida vénia ao professor Roberto Sarmento Lima.
1. USA-SE O HÍFEN:
1.1. Continua a ser usado o hífen em casos de composição por justaposição. Note-se que, nesse caso específico, não entra em questão a derivação como processo formador de palavras, com seus prefixos e falsos prefixos — situação que, aliás, exige outra compreensão —, mas tão-somente os termos compostos.
Desse modo, persiste o hífen em palavras compostas formadas por:
1.1.1. substantivo + substantivo: pombo-correio; médico-cirurgião; tenente-coronel; decreto-lei; arco-íris; turma-piloto; ano-luz
1.1.2. substantivo + adjetivo: amor-perfeito; guarda-noturno; cajá-mirim; obra-prima; capitão-mor; conta-corrente; erva-doce
1.1.3. adjetivo + adjetivo: azul-escuro; russo-americano; político-social
1.1.4. adjetivo com forma reduzida + adjetivo: ítalo-brasileiro (italiano e brasileiro); hispano-americano (hispânico e americano); luso-brasileiro (lusitano e brasileiro); afro-asiático (africano e asiático); afro-lusitano (africano e lusitano).
Observação: Interessante notar que o composto “afrodescendente”, que aparentemente se encaixa na regra deste item, continua do mesmo jeito, sem hífen. É que, nesse caso, a redução de “africano” (“afro”) não indica duas etnias, como em “afro-asiático” ou em “afro-lusitano”, querendo apenas dizer que certo indivíduo descende de africano. O termo “afro” aí age adjetivamente. Da mesma forma e pela mesma razão elimina-se o hífen em “eurocomunista” ou em “francofilia” (ao contrário de “euro-africano” e de “franco-russo”, em que aparecem nitidamente duas nacionalidades ou duas etnias).
1.1.5. numeral + substantivo: primeiro-ministro; primo-infecção; segunda-feira.
1.1.6. verbo + substantivo: conta-gotas; guarda-roupa; toca-discos; finca-pé.
1.1.7. substantivos unidos por preposição: pé-de-moleque; pão-de-ló; mão-de-obra [1] [2]
Observação: Aqui, no item 1.1.7, a persistência do hífen é necessária, pois serve para fazer a distinção entre, por exemplo, o doce conhecido como “pé-de-moleque”, resultado lexical de matiz metafórico e já gramaticalizado, e o pé de um menino chamado pelas pessoas de moleque, “pé de moleque”.
Nessa segunda situação são permitidas a inclusão de termo, como se pode ver em “pé grande de moleque”, ou a transformação da preposição “de” em uma contração, como em “pé daquele moleque” ou “pé do moleque”, o que evidencia não se tratar de composto.
1.1.8. verbos ou substantivos repetidos: quero-quero; ruge-ruge; ruge-ruge; tico-tico
Observações gerais:
1. Nada mudou em relação ao que era, antes do Acordo, nos oito casos acima explicitados.
2. Não aparece aí nenhum prefixo; trata-se só de termos — de base nominal, adjetival, numeral ou verbal — formados pelo processo de composição por justaposição. E a justaposição de palavras, sem incluir jamais prefixos ou falsos prefixos, é que determina, salvo algumas exceções, que as palavras do conjunto se separem por hífen.
3. Em sua maior parte, as palavras unidas pelo hífen têm plena autonomia na língua, podendo encontrar-se separadamente em contextos verbais diversos e com sentidos variados: «Vou na quinta à escola, e não no sábado»; «Dê-me a terça parte do que arrecadar»; «O pombo voa»; «O pão está bom»; «A infecção durou muito tempo»; «O americano curte muito o Brasil»; «O guarda me parou na rua»; «Ele guarda tudo nos armários»; «Quero água»; «A obra que você escreveu é sofrível»; «O médico é bom nos seus diagnósticos», etc.
4. Chama-se a atenção, no Acordo, entretanto, que palavras como “manda-chuva” e “pára-quedas” (item 1.1.6) perderam extraordinariamente o hífen, passando a grafar-se “mandachuva” e “paraquedas”. Da mesma forma, as antigas formas “pára-lama”, “pára-choque” e “pára-vento” passaram a “paralama”, “parachoque” e “paravento”. (O conjunto musical, liderado por Herbert Vianna, terá de se ajustar à nova regra, passando a grafar “Paralamas do sucesso”. Ou, por ser uma marca, já era grafado assim e assim deverá se manter, à revelia das alterações gráficas?) Alegam os gramáticos que tais compostos perderam a noção de composição. Pode-se, no entanto, perguntar: e por que perderam? E, a ser assim, por que “guarda-chuva” ou “para-brisa” continuam a ter o hífen? Trata-se de uma inconsistência do Acordo Ortográfico.
5. Fato que também chama atenção — por não ter sido resolvido pelo Acordo — é que convivem, lado a lado, as chamadas locuções substantivas, adjetivas, adverbiais e prepositivas, às vezes com hífen, às vezes sem ele, havendo até desacordo entre os melhores dicionaristas do país. Por exemplo, o dicionário Aurélio grafa “dona-de-casa”, com hifens, enquanto o Houaiss registra “dona de casa”, sem hifens. Dentro desse capítulo escrevem-se sem hífen “cão de guarda”, “fim de semana”, “café com leite”, “estrada de ferro”, “pão de mel”, “pão com manteiga”, “sala de jantar”, “cor de vinho”, “à vontade”, “acerca de”, ao passo que se escrevem com hífen, sem que se saiba exatamente por quê, “água-de-colônia”, “arco-da-velha”, “cor-de-rosa”, “mais-que-perfeito”, “pé-de-meia”, “ao-deus-dará”, “à queima-roupa”. O jeito é, a continuar assim, recorrer à velha decoreba como forma de não se enganar ao escrever.
6. Tratando ainda das locuções, a que mais tem sido alvo de engano é a locução adjetiva “à-toa”, que sempre tem hífen para poder diferenciar-se da homônima adverbial “à toa”, sem hífen. Em frases figés como “Não é à-toa que...”, a imprensa nacional e as grandes publicações brasileiras não têm usado o hífen, tratando essa locução adjetiva como adverbial. Note-se que, no lugar dessa locução, nesse tipo de construção, é sempre possível usar um adjetivo, e nunca um advérbio: “Não é casual que...”, ou “Não é fortuito que...”, ou, ainda, “Não é indiferente que...”. Sobre essa particularidade os dicionaristas e gramáticos têm-se calado. Particularmente cheguei a consultar até a Academia Brasileira de Letras, que não soube responder a contento a essa consulta.
1.2. O hífen é usado em topônimos que
1.2.1. contenham os adjetivos reduzidos grão e grã: Grão-Pará; Grã-Bretanha
1.2.2. contenham, como forma inicial, um verbo: Passa-Quatro; Quebra-Dentes; Traga-Mouros
1.2.3. ou, ainda, que contenham, no meio da composição, algum artigo: Trás-os-Montes; Entre-os-Rios
1.2.4. ou simplesmente, fora das três regras ditas há pouco, constitua já uma tradição: Guiné-Bissau
Observação: Por isso, por não se enquadrarem nas regras enunciadas neste item, é que se grafam sem hífen “América do Sul”, “Estados Unidos”, “Costa Rica”, “Timor Leste” etc.
1.3. O hífen é usado em compostos que nomeiam espécies de plantas (campo da botânica) e de animais (campo da zoologia), estejam ou não os seus componentes unidos por preposição:
1.3.1. vegetais: erva-do-chá; couve-flor; ervilha-de-cheiro; abóbora-menina; favo-de-santo-inácio; bem-me-quer
Observação: No entanto, escreve-se “malmequer”, nome de uma flor — portanto, do campo da botânica. Isto ocorre, contrariando a regra, talvez porque essa palavra seja formada com o auxílio do advérbio mal, que, quando funciona como prefixo, restringe o emprego do hífen a palavras cujo segundo elemento é iniciado por vogal ou pela letra h, mas não às outras, as demais consoantes. Por contaminação, a grafia de “malmequer” faz perder os hifens (Ver o item 1.4.2, logo a seguir, deste documento).
1.3.2. animais: bem-te-vi; andorinha-do-mar; formiga-branca; cobra-d’água; beija-flor; tigre-dentes-de-sabre
1.4. O hífen é usado em quase todos os termos que contenham, como se fosse originalmente um prefixo, o advérbio bem — principalmente quando o segundo termo se inicia por vogal ou h, mas não só —, e, apenas com essas letras, quando funciona como prefixo o advérbio mal:
1.4.1. casos do advérbio “bem” como prefixo: bem-humorado; bem-estar; bem-afortunado; bem-soante; bem-nascido; bem-ditoso
Observação: Mas, contrariando a regra geral, grafam-se “benfeitor”, “benfeitoria”, “benquerer”, “benfazejo”.
1.4.2. casos do advérbio “mal” como prefixo: mal-afortunado; mal-humorado; mal-educado; mal-assombro
Observação 1: Com o advérbio bem usado como prefixo, o hífen ocorre mesmo que a segunda palavra não seja iniciada por vogal ou h (vejam-se os exemplos de “bem-nascido” ou “bem-soante”, com exceção feita, porém, a “benfeitoria”, “benfeitor”, “benfazejo” e “benquerer”); mas, no caso particular do advérbio mal, não ocorre a mesma flexibilidade, razão por que, diante de consoantes, se escrevem “malnascido”, “malmandado”, “malsoante”, “malsucedido”, “malparado”, “malvisto”, “malcuidado”, “malfalante”, “malcriado”, “malconservado”, “malcasado”, “malcheiroso”, “malcomportado”, “malmequer” etc.
Observação 2: Quando indica o nome de uma doença, a palavra mal sempre tem hífen: “mal-canadense”, “mal-de-lázaro”, “mal-de-luanda”. “mal-de-gota”.
Observação 3: Registre-se a forma “mal-limpo”, que apresenta hífen por causa da consoante l, que aparece no fim da palavra mal e no início da palavra “limpo”.
1.5. Emprega-se sempre o hífen quando aparecem, na formação das palavras, os elementos aquém, além, recém e sem:
1.5.1. com o elemento aquém: aquém-mar; aquém-Pireneus
1.5.2. com o elemento além: além-mar; além-fronteiras; além-Atlântico
1.5.3. com a preposição sem no papel de prefixo: sem-vergonha; sem-teto; sem-cerimônia [cerimónia].
1.6. Emprega-se sempre o hífen — agora em casos específicos de derivação prefixal — quando o segundo termo se inicia ou por vogal idêntica à vogal que termina o prefixo ou o falso prefixo ou, ainda, quando o segundo termo se inicia pela letra h:
1.6.1. caso de vogais idênticas: micro-ondas; anti-intelectual; contra-almirante; semi-interno; auto-observação; infra-axilar; supra-auricular; anti--ibérico; arqui-inimigo; eletro-ótica
Observação 1: Tal regra não serve nem para o prefixo co- nem para o prefixo re-, aparecendo, assim, da seguinte maneira, as palavras “coordenar”, “coocupante”, “coobrigação”, “reeducar”, “reeleição”, “reempossado”, “reescrita”.
Observação 2: Não havendo coincidência de vogais, em outros casos também (vogal mais consoante ou consoante mais consoante), o hífen desaparece de uma vez por todas dos derivados, como se vê em “contracheque”, “multiuso”, “autoimunidade”, “antiplaca”, “agroindústria”, “contrapé”, “semiárido”, “radiopatrulha”, “microindústria”, “autopeças”, “hidroginástica”, “antivírus”, “hidroavião”, “anticaspa”, “antiácido”, “antiferrugem”, “anteprojeto”, “autoeducativo”, “contragolpe”, “seminovo”, “radiotáxi”, “megaoperação”, “cardiovascular”, “infravermelho”, “macroeconomia”, “radiovitrola”, “seminu”, “antimatéria”, “antigreve”, “microempresário”, “autoestrada”, “autodefesa”, “audiovisual”, “hiperdesconto”, “supermercado”, “intercomunicacional”, “socioeconômico”, “sobreloja” etc. (consultar os itens 2.2.1 e 2.2.2).
Observação 3: A palavra “ensino-aprendizagem”, que apresenta vogais diferentes no fim de uma palavra e no começo da outra (ensino e aprendizagem), não se deixa reger, apesar da aparência formal, por essa regra, porque, aí, em primeiríssimo lugar, não temos prefixo — primeira condição (ver a Observação 1 do item 1.1. deste documento) —, nem essa palavra é um composto da mesma maneira que “hispano-americano” ou “pombo-correio”. É um fenômeno à parte, isolado de todos aqueles que foram comentados até este momento. Note-se que as duas palavras envolvidas — “ensino” e “aprendizagem” — têm completa autonomia mesmo no conjunto a que pertencem, o que não é, evidentemente, o caso de “pombo-correio”, em que “correio” define o tipo de “pombo”, qualificando-o como se fosse um adjetivo. Aqui, em “ensino-aprendizagem”, trata-se tão-somente de uma relação entre termos, como acontece com “estrada Rio-São Paulo”, sequência nominal em que a cidade de São Paulo não determina a cidade do Rio de Janeiro e vice-versa. Indicia, pois, uma relação de trajeto, nas duas direções: do Rio para São Paulo, e de São Paulo para o Rio. O mesmo ocorre com “ensino-aprendizagem”, em que o ensino leva ou não à aprendizagem ou a aprendizagem direciona o tipo de ensino, mas não necessariamente. Antes da reforma ortográfica de 2008, essas cadeias vocabulares eram unidas por travessão, e não por hífen: “estrada Rio-São Paulo” e “processo ensino-aprendizagem”. Com o Acordo, deu-se, acertadamente, a simplificação, com a adoção do hífen.
1.6.2. caso do aparecimento do h iniciando o segundo elemento da derivação: anti-higiênico; co-herdeiro; contra-harmônico; extra-humano; super-homem; pré-história; sócio-histórico; ultra-hiperbólico; geo-história; semi-hospitalar; sub-hepático; neo-helênico
Observação: Acontece, porém, que há palavras cuja raiz começa por h e, mesmo assim, aglutinaram-se ao prefixo, eliminado o h etimológico, fazendo perder o hífen, a ponto de contrariar a regra dominante. É o caso de “desumano”, “subumano”, “inábil”, “inumano”, de larga tradição na língua.
1.7. Emprega-se o hífen com palavras formadas com os prefixos circum- e pan-, quando a eles se seguem elementos iniciados por vogal, m e n.
1.7.1. com o prefixo circum-: circum-escolar; circum-navegação; circum-murado
1.7.2. com o prefixo pan-: pan-americano; pan-mágico; pan-negritude
1.8. Emprega-se o hífen com os prefixos pós-, pré- e pró- com algumas exceções a essa regra:
1.8.1. com o prefixo pós-: pós-graduação; pós-tônico.
1.8.2. com o prefixo pré-: pré-escolar; pré-datado; pré-natal
1.8.3. com o prefixo pró-: pró-reitor; pró-europeu; pró-africano
Observação: Diz a regra que tais prefixos se separam por hífen da palavra seguinte porque esta tem vida própria e inconfundível. No entanto, ainda se escrevem “prever” (“ver” tem vida à parte), “pospor” (idem) e “promover” (idem). A explicação deveria ser outra: tais verbos têm larga tradição na língua e sempre se escreveram sem hífen. No caso de “pré-escolar” ou “pró-reitor”, por exemplo, tais termos indiciam alternância de situação e distinção semântica no caso de simultaneidade: existem ao mesmo tempo o “reitor” e o “pró-reitor” e os cargos não se confundem. Da mesma maneira o “escolar” e o “pré-escolar”. Há o cheque “datado” e o “pré-datado”, que podem ser emitidos simultaneamente. Mas não se pode, salvo melhor juízo, “ver” e “prever” ao mesmo tempo, ou “pôr” ou “pospor” ao mesmo tempo e na mesma situação discursiva.
1.9. Emprega-se o hífen com os prefixos hiper-, inter- e super-, se a eles se seguirem palavras iniciadas pela consoante r:
1.9.1. com o prefixo hiper-: hiper-requintado
1.9.2. com o prefixo inter-: inter-racial
1.9.3. com o prefixo super-: super-revista
1.10. Emprega-se sempre hífen com o sufixo ex-, desde que o sentido seja o de estado anterior:
1.10.1. é o caso de ex-marido; ex-diretor; ex-presidente; ex-primeiro-ministro.
1.10.2. mas não se deve confundir com exterior, explicar ou excomungar (no primeiro e segundo exemplos há a ideia de movimento para fora e o prefixo está devidamente incorporado à raiz dessas palavras, enquanto no terceiro não aparece a ideia de uma situação anterior, mas sim aquela que passa a ser, projetivamente)
1.11. Os sufixos de origem tupi-guarani como –açu, -guaçu e –mirim separam-se por hífen da palavra que os precede desde que esta termine por vogal acentuada graficamente ou, mesmo sem o acento diacrítico, a palavra tenha uma pronúncia que exija a distinção em relação a tais sufixos:
1.11.1. com o sufixo –açu: andá-açu; capim-açu; jacaré-açu.
Observação: Note-se que se deve pronunciar, em “capim-açu”, a palavra “capim” sem fazer a passagem do som nasal para o sufixo (o que daria “capimaçu”, de som estranho, chegando até a dificultar a decodificação imediata do composto e seu significado). Daí, pois, o hífen, a mostrar que não se deve pronunciar fazendo a ligação fonética entre os elementos do composto.
1.11.2.com o sufixo –guaçu: amoré-guaçu
1.11.3. com o sufixo –mirim: anajá-mirim; Ceará-Mirim; Paraná-mirim
Observação: Não se usa hífen em “leitor mirim”, por exemplo, porque nem “leitor” termina por vogal acentuada graficamente (caso de “anajá-mirim”) nem há o risco de ocorrer ligação fonética entre “leitor” e “mirim” (como em “capim-açu”), que são as duas restrições da presente regra.
2. NÃO SE USA O HÍFEN
2.1. Nos casos em que o prefixo termina por vogal e a palavra que se segue começa pelas consoantes r ou s, tais consoantes se dobram:
2.1.1. vogal + consoante r: autorretrato; antirreligioso; Contrarreforma; contrarregra; biorritmo; microrradiografia; radiorrelógio; autorradiografia; arquirrival; antirracional; contrarrazão; antirracial; alvirrubro; antirrevolucionário; anterrosto; suprarrenal
2.1.2. vogal + consoante s: antissocial; autosserviço; minissaia; autossuficiente; antissemita; antisséptico; extrassensorial; pseudossufixo; pseudossigla; multisserviço; contrassenso; autossugestionável; entressafra; ultrassonografia
2.2. Não se usa o hífen também quando o prefixo ou o falso prefixo do composto terminam por uma vogal e o outro elemento começa por vogal diferente ou quando o segundo elemento se inicia com consoante após uma vogal e, ainda, quando tanto o fim do prefixo quanto o início do radical da palavra são consoantes:
2.2.1. vogal + outra vogal: antiaéreo; infraestrutura; extraescolar; radioamador; hidroelétrica; autoinstrução; intrauterino; neoimpressionista; intraocular; megaestrela;
2.2.2. vogal + consoante: inframencionado; hidromassagem; multivitaminado; cardiopulmonar; antiterrorista
2.2.3. consoante + consoante: intermunicipal; hiperdesconto; supermercado
Observação 1: Ao que consta, este item (consoante + consoante) está restrito aos prefixos inter-, hiper- e super-.
Observação 2: Este caso se encontra na Observação 2 do item 1.6.1 deste documento, com ampla exemplificação.
Observação 3: No nome do movimento religioso católico Contrarreforma, como em outras ocorrências em que aparece o “prefixo” preposicional “contra-”, há que se refletir bastante se, nesses casos, se trata mesmo de termo derivado e não de um composto por justaposição. Primeiro, porque a palavra preposição “contra” se acha na língua muitas vezes usada de forma independente, substantivando-se e assumindo a flexão de número do substantivo (como em “Os contras da Nicarágua”); segundo, porque assume valor de raiz, tem matiz semântico, não tendo, pois, o esvaziamento de sentido peculiar a outras preposições, como a preposição “a” ou a “de”. Por falta, pois, de melhor reflexão sobre esse tópico, é de pensar se o melhor — por se poder considerar tal formação um caso de composição — não seria grafar “Contra-Reforma”, tal como era antes do Acordo Ortográfico, assim como, também, “contra-regra”, e não “contrarregra”, como prevê o Acordo, que julga tais palavras, as mencionadas aqui, formas derivadas.
Última observação: O Acordo exige que, na translineação, se deve repetir o hífen no começo da outra linha, por amor à clareza, indicando, assim, que o hífen colocado no fim da linha realmente existe, faz parte de um composto ou de um termo derivado, e não surgiu ocasionalmente por causa de eventual separação silábica em fim de linha.
CONCLUSÕES:
1. Desde a oficialização do Acordo Ortográfico, vê-se que o hífen é, ainda hoje, mesmo com a reforma, maciçamente empregado e atende a maioria dos casos, havendo apenas sua eliminação em duas situações muito específicas: (1) quando, no caso amplo dos derivados, o prefixo termina por vogal e o segundo elemento se inicia pelas consoantes r e s (caso de “autorretrato” ou “autosserviço”); e (2) quando, entre o prefixo e o segundo elemento, não há coincidência de vogais (“autoestrada”), ou a vogal depara com uma consoante (“anticomunista”), ou simplesmente não há vogais, mas apenas consoantes (“hipermercado”). A ocorrência “longa-metragem” tem hífen porque se trata, sim, de um composto, e não de um derivado. Em princípio, todos os compostos por justaposição têm hífen; já os derivados ora têm, ora não têm.
2. A dúvida que possa existir quanto à eliminação ou não do hífen se prende, portanto, apenas a casos de derivação prefixal, e não envolve casos de composição por justaposição, em que, em geral, sempre se apresenta hífen (assim, temos, por um lado, os compostos “hispano-americano” e “guarda-roupa” — as exceções seriam “mandachuva”, “paraquedas”, “paralama”, “parachoque” e “paravento” —, claros exemplos de composição por justaposição, enquanto, por outro lado, temos “hipoícone”, sem hífen, e “anti-intelectualismo”, com hífen, termos que exemplificam casos de derivação prefixal).
Maceió, 11 de março de 2008.
Fontes bibliográficas usadas para esta sistematização:
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HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
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LIMA, Roberto Sarmento. Estava à toa na vida. Língua portuguesa. São Paulo: Segmento, ano 2, n.º 24, out. 2007, p. 48-50.
MACHADO, Josué. Hora de remarcar os dicionários. Língua portuguesa. São Paulo: Segmento, ano 3, n.º 35, set. 2008, p. 28-32.
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NOVO Acordo entra em vigor. Língua portuguesa. São Paulo: Segmento, ano 3, n.º 39, jan. 2009, p. 16-17.
TEIXEIRA, Jerônimo. A riqueza da língua. Veja. São Paulo: Abril, ano 40, n.º 2.025, 12 set. 2007, p. 88-96.
[1] N. E. (24/10/2016) – Não obstante a argumentação apresentada por este artigo, os vocabulários ortográficos existentes registam pé de moleque, pão de ló e mão de obra sem hífen, generalizando o preceito aplicado a cão de guarda, fim de semana e sala de jantar, conforme o n.º 6 da Base XV do Acordo Ortográfico de 1990. Consultar o Vocabulário Ortográfico do Português do Portal da Língua, o vocabulário ortográfico da Porto Editora, o Vocabulário Ortográfico Atualizado da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras e o Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa (no Instituto Internacional da Língua Portuguesa).
[2] N. E. (29/10/2016) – Reitera-se a observação da anterior nota. É muito discutível a hifenização em "pé-de-moleque", "pão-de-ló" e "mão-de-obra" (locuções substantivas com elementos de ligação, ou seja, preposições), pelo que deve dar-se preferência às formas fixadas pelos vocabulários ortográficos, que geralmente não as hifenizam, conforme dispõe o n.º 6 da Base XV do AO 90 a respeito das locuções substantivas que têm elementos de ligação, excetuando «[...] algumas exceções já consagradas pelo uso (como é o caso de água-de-colónia, arco-da-velha, cor-de-rosa, mais-que-perfeito, pé-de-meia, ao deus-dará, à queima-roupa)» (idem, ibidem). Assinale-se mais uma vez que, em relação às unidades lexicais pé de moleque, pão de ló e mão de obra, os vocabulários ortográficos são coincidentes, fixando-as sem hífen.
N.E. – Sobre os critérios de hifenização depois do Acordo Ortográfico de 1990, acompanhe-se a explicação do gramático brasileiro Sérgio Nogueira em registo de vídeo: