«(...) Não [às] ambiguidades, incoerências ou perda de qualidade. (...)»
O autor aceita, na generalidade, a unificação que o Acordo Ortográfico de 1990 trouxe à língua e louva o esforço dos linguistas nas suas persistentes tentativas para conseguirem alguma unidade ortográfica entre os países que têm a língua portuguesa como oficial.
Contudo, recusa decisões na aplicação do texto do Acordo que implicaram incoerências e discrepâncias, mencionadas em artigos por si já publicados em Ciberdúvidas, no seu domínio na Internet e no Pórtico [da Língua Portuguesa].
[O livro Histórias que o avô deixou... Sobre o poder feminil. Outros contos. Ensaios. Crónica*] foi já todo escrito seguindo os critérios que defende, em seguimento do artigo no seu domínio na Internet: Acordos ortográficos imperfeitos não são sagradose beneficiando das muitas trocas de impressões laboriosas e interativas, em meados de 2017, com a Doutora Ana Salgado, empenhada académica da Academia das Ciências de Lisboa (ACL).
Em síntese, o autor elaborou um vocabulário pessoal, para a variedade portuguesa da língua, imaginando que o Vocabulário Comum (VOC), previsto no Preâmbulo do AO90 (art.º 2.º), tivesse sido elaborado por forma a estar concluído um ano antes de o AO90 entrar em vigor. Ora não foi isso que apressadamente se fez, com todos os inconvenientes agora verificados nos vocabulários adotados em Portugal, que contrariam as virtualidades da língua e, em certos casos, a própria unificação pretendida com o AO90.
Nesse VOC correto, o autor considerou que se faria uma recolha das palavras existentes na língua a partir das normas anteriores em vigor, que a orientação de base seria a unificação e que a simplificação só se faria em segundo lugar, desde que não implicasse ambiguidades, incoerências ou perda de qualidade.
Consoante e acentos (mal) suprimidos
Assim, os critérios gerais de orientação para o vocabulário do autor foram:
a) Quando a consoante é pronunciada em Portugal é obrigatória (ex.: abrupto).
b) Sempre que a palavra seja única com a consoante no Brasil, mantém-se a consoante em Portugal, mesmo que não seja pronunciada (ex.: receptor), porque a isso obriga o objetivo de unificação desejado no Acordo de 1990 e porque a palavra seria também única no VOC (antes não existia sem consoante em Portugal). Estes casos no vocabulário fundamental do autor para o AO90 não chegam a duas centenas e, portanto, fáceis de fixar (ou de serem assinalados no corrector informático de texto). Ou seja, palavras inventadas como *recetor não estariam no VOC correto e não seriam aceitáveis.
c) Quando o Brasil tem duplas grafias com e sem consoante, elas figurariam no VOC, e Portugal teria o mesmo direito, para escolha da solução mais adequada à variedade portuguesa da língua (ex.: afetar, afectar).
d) Se a palavra é única sem consoante no Brasil, e para se satisfazer ao 4.1 da Nota Explicativa do AO90, deverá ser também única sem a consoante em Portugal «quando esta não é pronunciada». No entanto, o autor aceita, excecionalmente, a variante com a consoante quando útil para abrir a vogal anterior; só que não a adota nem a recomenda (ex.: adjetivo, adjectivon/recom). Contudo, recomenda mesmo a variante nos casos de ambiguidades em Portugal, como, por exemplo, adota corrector para quem corrige, distinguindo de corretor (única no Brasil, consoante não pronunciada em Portugal), esta só para intermediário.
e) Quando a consoante não tiver qualquer valor diacrítico em Portugal é dispensada, o que,em muitos casos, também corresponde à situação d). Então, atendendo igualmente à uniformidade pretendida na língua com o AO90, não se deve aceitar qualquer variante com a consoante, dado ser inútil no aspeto de abertura da vogal anterior (ex.: acionar, antártico, exato), com a vantagem da simplificação (o que nunca deixou de se fazer em todas as reformas ortográficas). O autor ressalva ambiguidades, como, por exemplo, ótica para audição e óptica para visão.
Estes casos são também fáceis de identificar, pois basta observar se a vogal anterior é naturalmente surda ou tónica, pois, então, não precisa do valor diacrítico da consoante.
f) Nos acentos gráficos distingue pára, forma verbal, de para, preposição (como sempre se fez e continua em pôr e por); distingue ainda pélo/a, formas verbais, e pêlo, nome, de pelo/a, preposição per mais o/a.
g) Nos hífenes, louva muitas simplificações propostas, mas continua a distinguir compostos de locuções, como sabiamente insistia a Norma de 1945. Assim, o autor grafa casa de jantar, grupo denotativo; mas braço-de‑ferro, grupo conotativo.
h) Num pormenor segue também a norma de 1945. Na translineação quando esta coincide com um hífen, 1945 não obrigava que se repetisse sempre o sinal na segunda linha (estabelecia: «pode repetir-se»). Ora, na escrita por computador, quando, numa nova formatação do texto, a translineação já não se faz no hífen, este aparece depois indevidamente repetido (--) se não houve o cuidado de usar um hífen oculto na duplicação (foi usado acima em braço-de–ferro). Para evitar de considerar sempre esta necessidade, o autor não repete o hífen nas ligações com pronomes clíticos, sempre muito frequentes e que não deixam dúvidas de que há hífen, não aglutinação.
O exemplo da França
Lembremos agora que, quando (mais ou menos na data da assinatura do AO90) a França fez alterações significativas na sua ortografia, por exemplo, com eliminação do acento circunflexo e união de muitas palavras que tinham hífen, ...foi permitido que os falantes escolhessem entre a antiga e a nova ortografia.
Ora, não se percebe que em Portugal se tenha imposto autocraticamente, com a Resolução do CM 8/2011, uma nova e única ortografia, que, embora dizendo-se menos forte que o disparatado Projeto de 1986, ainda revolucionava excessivamente a anterior. Sobretudo, não se entende que as instâncias superiores que deviam zelar pela língua tivessem aceitado que as consoantes não articuladas, muitas bem úteis na variedade portuguesa, tivessem em Portugal sido simplesmente banidas, quando o mesmo 4.1 era bem claro em não impor esta decisão abusiva.
Concluindo esta descrição sobre os critérios do autor para um vocabulário para o AO90 adequado ao português europeu, repete-se uma nota final que deixou num documento semelhante, em reunião do Instituto de Lexicologia e Lexicografia da Língua Portuguesa, da ACL: «Se repararmos bem nestas regras (alíneas acima), quem defende intransigentemente a aplicação do AO90 como está a ser feita só precisa de aceitar a unificação nos casos em que a palavra com a consoante já era única na língua; e quem defende a cuidada norma de 1945 só precisa de aceitar a unificação nos casos em que a consoante não tem nenhum valor diacrítico para Portugal.»
Em súmula, o objetivo do autor foi encontrar um meio‑termo de pacificação, aproveitando o que é útil no AO90, mas respeitando o português europeu e não abdicando das virtualidades da língua. Se tudo tivesse sido feito inicialmente com bom senso e ouvindo atentamente os especialistas no uso da língua (universidades, professores de português, escritores, jornalistas), talvez tivesse sido tomada uma decisão semelhante, que não os dividisse agora tanto.
Embora pense que a simplificação acabará por imperar, considera, em resumo, que os verdadeiros donos da língua são os falantes; e propõe, neste meio-termo, que se lhes proporcione, no uso da sua língua, uma livre escolha com o tempo.
Cf. Parlamento rejeita desvinculação de Portugal do Acordo Ortográfico
Texto do autor, em anexo ao seu livro Histórias que o avô deixou... Sobre o poder feminil. Outros contos. Ensaios. Crónica, edição CSC.Reticências, 2018. Subtítulos da responsabilidade editorial do Ciberdúvidas.