« (...) Tudo como se não houvesse palavras em português para melhor dizer o mesmo. Quase sempre com um certo tique social de pseudo erudição, tão despropositado, quanto convencido. (...)»
Na União Europeia, com a saída do Reino Unido, restam dois países pequenos que têm o inglês como idioma co-oficial: Irlanda e Malta. Também não sendo a língua mais falada no mundo (é a 3.ª), o inglês é a língua franca da globalização. Não admira que sejam cada vez mais as palavras de origem anglófona que entraram na nossa língua com dicionarização.
Mas, agora e aqui, quero falar de palavras inglesas adaptadas para o nosso idioma por via de uma tradução errada, enviesada ou escusada, ou ainda através do que se convencionou designar linguisticamente como “falsos amigos” (palavras que, apesar de semelhantes em duas línguas, têm significados diferentes, mas que induzem uma tradução aparentemente certa…). E tudo como se não houvesse palavras em português para melhor dizer o mesmo. Quase sempre com um certo tique social de pseudo erudição, tão despropositado, quanto convencido.
Começo pela palavra que elejo como “campeã”: REALIZAR, quando dita como sinónimo de aperceber-se ou notar, tal e qual a tradução literal do “falso amigo” to realize. “Realizei isto ou aquilo” será porque fiz ou empreendi, ou porque, agora pretensamente, me dei conta?
Outra palavra – na área das finanças – é FISCAL. O adjectivo homógrafo em inglês quer dizer orçamental e não estritamente fiscal. Pois agora, ouve-se frequentemente, “consolidação fiscal” em vez de “consolidação orçamental”, ainda que esta seja, quase sempre e infelizmente, pela via fiscal.
Um outro verbo: SUPORTAR enquanto forma de exprimir a ideia de apoiar. Não é que esteja errada, mas soa estranho dizer que “um filho suporta a sua mãe”. Toda a gente pensará que a tolera, aguenta ou que está à sua conta e muito poucos a entenderão como apoiá-la.
No futebol, não falo das palavras adaptadas à nossa língua (a começar pelo nome deste desporto), mas de uma outra que é mal importada porque erroneamente traduzida: ASSISTÊNCIA. O substantivo (assistance) e o verbo (to assist) significam ajuda e ajudar. Não vejo por que razão num passe para um golo se diz que um colega o assistiu? Será que se sentiu mal?
Um outro substantivo que agora está passando do desporto para a economia é COMPETIÇÃO (competition), quando neste domínio a palavra ajustada é concorrência. É que podemos ter competição sem concorrência e concorrência tão distorcida que nem há competição…
Ainda que menos frequente, já se ouve LEGENDA (legend) como sinónimo de lenda. Está consagrada em alguns dicionários, mas é, no mínimo, estranho dizer-se que “os filhos gostam muito da legenda do galo de Barcelos”. Pensarão eles nas letras por baixo das imagens do dito galo?
Muito em voga agora no domínio da defesa da concorrência é REMÉDIO (remedy). “A empresa A será autorizada a fundir-se com a empresa B se aplicar este ou aquele remédio”. Não é que esteja mal, mas 99% das pessoas pensarão logo na farmácia e na comparticipação (neste caso a pagar e não a receber). Não será preferível dizer medida de reparação, solução, correcção, ajustamento?
Evidentemente que tudo exige uma EVIDÊNCIA (evidence), assim dita no lugar de prova, ainda que em Tribunal não seja necessariamente evidente…
Há quem insista em dizer NO FIM DO DIA, como tradução literal de “at the end of the day”. Um disparate. Para quem não sabe inglês, no fim do dia é mesmo no fim do dia e não quando se conclui algo sem que seja no dia…
E por aqui me fico. O texto É SUPOSTO terminar. Eis outro modismo sintacticamente inadequado, pois o sujeito não é o texto. Terminar quem ou o quê? É no que está a dar a moda de to be supposed that ser adoptado à letra…