«(...) Muitos encontros entre os portugueses e estrangeiros iniciam-se com o português a falar inglês, sem dar ao visitante a oportunidade de provar a sua capacidade de falar na língua da [sua] terra. (...)»
Há uma conspiração. Vai desde as salas de aula até aos restaurantes menos nobres. Das ruas do centro de Lisboa às atracções culturais fora da cidade. Esta ideia de conspiração parte de imigrantes, como eu, de terras cuja língua materna é o inglês, que ficam frustrados com uma das barreiras mais difíceis de superar neste país. E que condiciona mesmo a nossa integração na sociedade portuguesa. Refiro-me à dificuldade de muitas pessoas em dominarem o básico da língua portuguesa.
A dificuldade não resulta apenas da complexidade de uma gramática desconcertante e de uma fonética confusa. Acho que é o resultado da abundância de portugueses que falam bem inglês e da prevalência de informação apresentada em inglês.
Nas minhas viagens por outros países da Europa, tenho sido obrigado a falar e a ler na língua local para sobreviver – isso não acontece [em Portugal].
Lisboa acolhe os visitantes de braços abertos e com desejo de lhes mostrar a sua capacidade de comunicar na língua universal. Este comportamento manifesta-se no hábito de presumir que os estrangeiros não conseguem perceber nem falar português.
Muitos encontros entre os portugueses e estrangeiros iniciam-se com o português a falar inglês, sem dar ao visitante a oportunidade de provar a sua capacidade de falar na língua da [sua] terra.
Acontece com frequência os empregados de mesa iniciarem uma conversa comigo em inglês, sem terem nenhuma indicação dada por mim de que sei falar inglês, ou português. Talvez se deva ao meu rosto escandinavo ou às minhas roupas de estilos e de cores que não são normalmente usadas em Portugal. Por qualquer motivo, aparento ser incapaz de comunicar em português.
Às vezes sinto que talvez devesse afixar um cartaz no meu peito que declarasse a minha competência linguística, para contrariar o impulso natural de falarem em inglês comigo. No entanto, julgo que nem isso resultaria.
A via normal para aprender uma nova língua é passar tempo suficiente a ler, a ouvir, a escrever, e a falar. As primeiras três atividades podem ser feitas por alguém sozinho. A última, no entanto, tem de ser praticada, preferencialmente, com um natural do país, alguém com tempo e paciência nas fases iniciais.
Há muito boas escolas aqui que oferecem aulas adaptadas a todos os níveis de aprendizagem, desde o básico até à mestria da língua. Contudo, apesar de frequentar muitas aulas e de passar muitas horas a estudar e a ouvir a língua, é a falta de conversação frequente que me cria mais dificuldades.
Percebo bem as boas intenções dos portugueses ao quererem falar numa língua que seja familiar aos clientes e que lhes permita concluir as transações comerciais rapidamente. Devíamos obrigar os empregados a perder tempo? Faz sentido para o empregado repetir frases ou sorrir educadamente enquanto o cliente mutila a pronúncia e a gramática portuguesa? Talvez não, mas esta abordagem nega a todos a oportunidade de progredirem e surpreenderem os "alfacinhas" com o seu próprio talento inesperado. Parece estranho que um povo tão cordial para com os estrangeiros os queira privar desta oportunidade. Talvez haja mais alguma coisa a ocorrer em simultâneo.
Sem dúvida, a preferência dos portugueses pela comunicação em inglês é também visível nas palavras escritas — desde as ementas às informações nas montras. Muitas vezes, as traduções estão erradas, mas o dono ou a dona da loja desejam que os clientes de todo o lado possam entrar e sentir-se à vontade a falar em inglês.
Antigamente, podia-se melhorar mais rapidamente a competência linguística através da imersão no país. A sobrevivência ditava que o imigrante tinha de aprender logo a língua da terra para se integrar na sociedade. Outrora, os viajantes sabiam que o conhecimento do básico da língua do destino era obrigatório, mas agora não! A prevalência do inglês em todo o lado retirou aos turistas a necessidade de serem corteses e de mostrarem respeito linguístico pelos habitantes. Hoje, todos os guias sobre viagens a Portugal dizem que só é necessário comprar um bilhete, fazer as malas, escolher sítios de interesse e sair da casa.
«É necessário falar a língua do país? Não se preocupe!« Os portugueses facilitam-lhe a vida. É como se o mundo português conspirasse contra os estrangeiros para manter a ilusão de que a língua, bem como a cultura, acolhe todos. Mas parece que há um limite.
Perde-se pelo menos metade do que o mundo português oferece, se não se tiver a capacidade de ler e comunicar na língua da terra. Há recantos escondidos dos visitantes que os portugueses reservam para si próprios: um café de bairro onde ninguém fala inglês, mas onde histórias divertidas são contadas; uma exposição que tem informação em inglês, mas não inclui muita da informação relatada na versão portuguesa. Assisti a concertos em que toda a gente desfrutava da música, mas a explicação era dada só em português. Finalmente, a língua de rua pode confundir o principiante e abalar a sua confiança. Pode ser frustrante sair da sala de aula e cruzar-se com os lisboetas a falarem entre si numa língua incompreensível. É como se os portugueses quisessem manter uma barreira entre eles e os outros, como se um mundo secreto existisse.
Felizmente, acho que me apercebi do que se está a passar. As escolas de língua portuguesa para estrangeiros decidiram conspirar contra nós, mantendo uma "cortina opaca" entre nós e os portugueses. A publicidade das escolas descreve os benefícios de aprender e seduz os potenciais estudantes com esperanças vãs de dominarem a língua. Não revela o trabalho árduo necessário para se ser bem-sucedido. Apenas nos ensinam o básico, reservando o resto aos portugueses e aos estrangeiros lutadores mesmo empenhados em falar verdadeiramente português.
Esta conspiração está a correr bem, mas espero que, com o tempo, me seja permitido passar através do espelho da Alice, como prova do meu mérito, e aderir à equipa dos privilegiados. Para já, continuarei a frequentar as aulas de português.
Artigo do norte-americano Carl Eric Johnson, residente em Portugal desde 2016, transcrito, com a devida vénia, do jornal Público, do dia 21/04/2023. Escrito segundo a norma ortográfica de 1945.