«Como eleitora faço um juízo sobre a irresponsabilidade de um homem que deixou o país na banca rota e continuou a viver uma vida de luxo, sabe-se lá com que dinheiro.»
Nascer do Sol, 12/07/2025
A propósito do julgamento do antigo primeiro-ministro português José Sócrates, lê-se num artigo de opinião do jornal Nascer do Sol em 11/07/2025 que este político «deixou o país na "banca rota"»*. Independentemente do que se pense sobre o assunto, a grafia «banca rota» está também sujeita a juízo, pois o correto é escrever bancarrota, e não «banca rota», ou seja, trata-se de uma única palavra e não de duas a formar um sintagma.
Mas porque não grafar "banca rota" ou "banca-rota"?
Como já se explicou no Ciberdúvidas, bancarrota é aportuguesamento de bancarotta, palavra importada do italiano e atestada nesta língua, pelo menos, desde finais do século XVI (cf. Dicionário Houaiss). Originalmente constituída por banca, com o significado de «banco», e rotta, «quebrado», a expressão «banca rotta» era, portanto, formada por duas palavras cujo sentido aludia ao facto de, na Idade Média, se quebrar «o banco ou o balcão dos comerciantes ou cambistas falidos», conforme refere José Pedro Machado, no seu Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. Na mesma fonte assinala-se que, em português, no século XVI, se documenta «banco roto», forma igualmente registada na nota etimológica que, no Dicionário Houaiss, se associa a bancarrota.
«Banco roto» é provavelmente um decalque da forma italiana banca rotta e ocorre numa curiosa frase de Frei Heitor Pinto (1528-1584), citada por Machado: «Qualquer que se faz amigo do mundo, faz banco roto com Deus» (Imagem da Vida Cristã). Ou seja, na perspetiva deste autor quinhentista, a avidez por bens materiais é entrar em falência espiritual.
Acrescente-se que na 1.ª edição do vulgarmente conhecido Dicionário Morais (1789) se incluíam no verbete correspondente a banco as locuções «fazer banco roto» e «quebrar o banco», com o significado de «falir», coincidindo, portanto, com o que já se referiu sobre a origem do italiano bancarrotta. A 4.ª edição do Morais (1831), a par de «banco roto», apresenta a expressão «banca rota», que o lexicógrafo relaciona com o francês «banque route» (hoje banqueroute); e o Thesouro da Lingua Portugueza (1871-1874), de Frei Domingos Vieira, já tem entrada para banca-rota, com hífen. Mas, ainda antes da grande reforma ortográfica de 1911, o Dicionário de Caldas Aulete, pela primeira vez publicado em 1881, exibe a grafia bancarrota, sem hífen, que sob a forma bancarrôta, com acento gráfico, será praticamente a adotada em 1899 por Cândido de Figueiredo no seu dicionário, embora aceitando banca-rôta. Com a implantação da República em Portugal, não terá havido vontade de separar bancarrota, portanto, ao contrário do que acontecia nos primórdios italianos, quando começou a denotar as noções de quebra e ruína.
Para concluir, observe-se que bancarrota, sem deixar de constituir historicamente um empréstimo, é compatível com uma análise morfológica de acordo com as regras e os padrões da língua portuguesa contemporânea, como um caso de composição que resulta da associação de um nome e de um adjetivo. Do ponto de vista ortográfico, este tipo de compostos (nome + adjetivo) tem a particularidade de a sua fixação gráfica depender da tradição de registo dicionarístico. Foi, portanto, o que sucedeu a bancarrota, cujas variantes «banca rota» e banca-rota não lograram impor-se entre os lexicógrafos.
* Agradeço ao consultor Paulo J. S. Barata a chamada de atenção para o artigo em que, no momento em que se escreve este apontamento, ainda se lê o erro em causa.