«Justamente por sua natureza (isto é, porque se infiltra direito no próprio significado da mensagem), a ambiguidade não é exclusiva desta ou daquela situação: na verdade, pode aparecer em qualquer lugar.»
Alguns dias atrás, perguntaram-me o que deve ser feito para evitar a ambiguidade na escrita – há algum macete, alguma fórmula?
Primeiramente, para tratar desse assunto, importa-nos definir rapidamente o que é a ambiguidade: também chamada de anfibologia, significa a falta de clareza de uma construção.
É fenômeno que comumente se traduz na possibilidade de enxergar mais de um sentido no que se diz. Noutras palavras, um texto ambíguo permite dupla interpretação, não transmite a intenção do autor de modo inequívoco.
Dito isso, respondo desde já à pergunta inicial: não há uma fórmula que permita solucionar toda e qualquer ambiguidade.
Justamente por sua natureza (isto é, porque se infiltra direito no próprio significado da mensagem), a ambiguidade não é exclusiva desta ou daquela situação: na verdade, pode aparecer em qualquer lugar. Quando menos se espera, um texto sai dúbio — porque o autor não lhe soube conferir precisão.
Para manter longe a anfibologia, o que importa mesmo é estar sempre atento às possibilidades de interpretação que nascem com alguns tipos de palavras e expressões.
“De cabeça”, posso citar ao menos seis construções que geralmente passam a perna no autor (o falante, o escritor) e chegam ao receptor (o ouvinte, o leitor) com duas faces.
Quais são, portanto, algumas das situações em que devemos tomar cuidado com a ambiguidade?
Falarei de três delas na publicação de hoje; tratarei das três restantes noutro momento.
1. O comparativo "como" na indicação do objeto
Quando usamos o comparativo como para relacionar o primeiro sujeito a outra figura que também exerce papel de sujeito, não há dificuldade:
«Ele bebe como um camelo.»
Não há dupla interpretação aqui: ele bebe como um camelo bebe; ele bebe de modo semelhante ao beber de um camelo.
O problema, no entanto, surge quando relacionamos o sujeito a um objeto:
«Eu amo você como um pai.»
Desta vez, a menos que alteremos a estrutura do período, a afirmação sai ambígua: amo você como se eu fosse seu pai, ou amo você como se você fosse meu pai?
Caso se trate do segundo caso, é necessário reformular o trecho para torná-lo claro, e fazemo-lo ao empregar a preposição a para indicar o objeto:
«Eu amo você como a um pai.»
2. O relativo "que" com mais de um termo que pode ser retomado
O pronome relativo que, em princípio, retoma o termo anterior.
Ocorre, no entanto, que há construções em que mais de um termo antecede o relativo, de modo que se torna difícil definir qual é o termo retomado.
«O irmão de Joana, que também estuda bastante, foi aprovado no vestibular.»
Aqui, o relativo que significa o qual (retomando “irmão”) ou “a qual” (retomando “Joana”)? Não se pode saber.
Nesse caso, deve-se desenvolver o pronome conforme o sentido pretendido: «O irmão de Joana, o qual…» ou «O irmão de Joana, a qual…».
E quando ambos os termos têm o mesmo gênero?
«A irmã de Joana, que também estuda bastante, foi aprovada no vestibular.»
Agora, a solução é outra. Há duas opções: ou se reescreve o trecho para evitar a ambiguidade, ou se repete o termo retomado ao lado do relativo desenvolvido.
a1) «A irmã de Joana também estuda bastante e foi aprovada no vestibular.»
a2) «Joana também estuda bastante, e sua irmã foi aprovada no vestibular.»
b1) «A irmã de Joana, a qual irmã também estuda bastante, foi aprovada no vestibular.»
b2) «A irmã de Joana, a qual Joana também estuda bastante, foi aprovada no vestibular.»
3. Artigo ou preposição "a" antes de possessivo feminino
Como os pronomes adjetivos possessivos admitem, em princípio, a livre companhia dos artigos definidos («Meu irmão é advogado»; «O meu irmão é advogado»), há um problema quando a construção pode exigir a preposição a e o possessivo é feminino.
Ilustro:
«Quando entrei na cozinha, disse a minha mãe que estávamos sem leite.»
Qual é o sentido desse período? A oração «disse a minha mãe» significa «[eu] disse para minha mãe» ou «a minha mãe disse»?
Sem mais informações e sem que o texto seja reescrito, não é possível discernir. Não conseguimos saber se aquele a é preposição ou artigo definido.
Para afastar o bicho de duas caras, o autor deve reformular a construção conforme o sentido que pretenda empregar:
a) Se quer dizer «[eu] disse para minha mãe», adicione o artigo definido, a fim de que ocorra crase e o sentido seja inconfundível:
«Quando entrei na cozinha, disse à minha mãe que estávamos sem leite.»
b) Se quer dizer «a minha mãe disse», simplesmente remova o artigo definido:
«Quando entrei na cozinha, disse minha mãe que estávamos sem leite.»
Seja qual for o intento do autor, poderá satisfazê-lo adotando uma das opções acima.
Texto publicado originalmente no Facebook Língua e Tradição no dia 12 de setembro de 2021.