Há umas semanas, numa aula em que lecionava Português como Língua Estrangeira, um aluno perguntou-me o que significava a palavra bica. Ele achava estranho que esta palavra aparecesse com frequência nos manuais, mas quando ele ia ao café quase nunca a ouvia. De facto, quem passe por qualquer café de Lisboa atualmente vê escrito nos menus ou ouve pedir um café expresso ou simplesmente um café. O que me levou a questionar se a expressão «queria uma bica, por favor» estaria em vias de extinção?
Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa (DLPACL), a palavra bica é considerada um regionalismo da região da Estremadura e de Lisboa. Neste sentido, não seria estranho que pelos cafés da capital portuguesa se ouvisse «era uma bica, se faz favor» para pedir um café tirado numa máquina de pressão e servido numa chávena pequena. Apesar de não existirem registos de que a palavra bica esteja a cair em desuso, quem anda pela cidade de Lisboa ouve e lê com mais regularidade o vocábulo café. No entanto, embora pareça que, nos dias de hoje, se está a perder o hábito de recorrer ao termo bica, há quarenta anos, só se dizia bica nos cafés lisboetas.
Mas de onde virá esta forma singular de pedir café? De acordo com a grande maioria dos dicionários de língua portuguesa, a origem de bica é obscura. Contudo, o histórico café lisboeta A Brasileira, no Chiado, reivindica a paternidade da palavra, conforme se pode ler no próprio site oficial deste estabelecimento, que menciona uma das crenças à volta da origem de bica, segundo a qual se trataria de um acrónimo da expressão «beba isto com açúcar». Esta hipótese, muito discutível, consta da nota etimológica que o DLPACL dedica em tom dubitativo a bica, como sinónimo de café. Mais plausível se afigura outra explicação, também exposta nas páginas d’A Brasileira: bica terá origem no facto de o café ser servido diretamente nas chávenas a partir das torneiras (ou «bicas») das máquinas onde era feito.
Portanto, bica não deixa de ser uma palavra curiosa do léxico português, nem que seja pelo mito que existe em torno da sua origem. Embora pareça que as gerações de falantes lisboetas de hoje tenham preferência pelo uso de outras palavras, esperemos que haja ainda quem, na hora de beber café, peça «uma bica».