A propósito da notícia de o Governo português pretender uma moratória de dez anos para a entrada em vigor do novo Acordo Ortográfico (com o objectivo ponderável de proteger as editoras portuguesas) talvez esteja esquecido o seguinte:
Presentemente, é o Brasil que está em desvantagem nos PALOP quanto aos livros didácticos, dada a diferença na ortografia. Se o Brasil avançar com o novo acordo, ficaremos nós blindados em todos os países que o acompanharem na mudança (logo, São Tomé e Cabo Verde; depois, todos os que abraçarem a ortografia unificada). O assunto é mais complexo do que parece à primeira vista.
Por outro lado, o texto do acordo exigia um Vocabulário Comum antes da entrada em vigor. Ora o Brasil tem o seu completo Vocabulário de 350 000 entradas, publicado pela sua Academia Brasileira de Letras em 1998, enquanto nós neste aspecto não temos ainda nada actualizado que se assemelhe ao saudoso Vocabulário da Academia das Ciências de Lisboa publicado em 1940 e que nessa altura serviu de base ao Brasil. Como é que está o estudo deste assunto em Portugal? A moratória com desculpa nas editoras (que afinal talvez não as proteja muito) não será mais para nos dar tempo ao trabalho de casa que devia ter estado pronto em 1994, segundo o texto do acordo?
No seguimento do esforço sem descanso de Ciberdúvidas, começam a aparecer sintomas de preocupação sincera com a protecção da língua. Só que o investimento que está a ser feito é ainda nitidamente escasso. A projecção de Portugal no futuro não depende só da sua tecnologia, mas também do respeito que merecer a sua língua de oito séculos, que já foi língua franca em grande parte do mundo. Que merece bem o nosso orgulho e o nosso carinho.