I. Sobre o que se disse num Prós e Contras da RTP 1
A `legitimidade´ do novo Acordo está no facto de que todos os países interessados (sete na altura) o assinaram. A `legitimidade´ de poder entrar em vigor está no facto de que concordaram que só três o ratificassem. Como já quatro o fizeram, estes podem `legitimamente´ decretar que está em uso nos respectivos países quando entenderem. Todos os argumentos contra são enganadores
Já há milhares de duplas grafias presentemente na língua, dando-lhe versatilidade. Algumas novas trazem até vantagem aos saudosistas: podem com elas manter a grafia anterior.
Não é sensato dizer-se que `os reputados linguistas que elaboraram o acordo e aqueles que depois o assinaram´ cometeram erros científicos. Ciência é uma coisa (enquanto não há contraditório verificado cientificamente no seu universo, onde as meras opiniões são rejeitadas como ciência); um `acordo´ é outra coisa.
Quantos de nós não conservam, como relíquia preciosa, livros antigos com ortografias de outros tempos? É nitidamente uma hipérbole dizer-se que vai haver um grande desastre em livros inutilizados. Mesmo os dicionários actuais continuarão a servir, se acompanhados de uma lista das poucas palavras usuais que mudam.
Na página www.dsilvasfilho.com, em "Linguística > Problemas ortográficos > Argumentos a favor", pode verificar-se muito claramente que houve significativas cedências do Brasil (dando origem a oposições ao acordo nesse próprio país) e que um pretenso sacrifício de Portugal é unicamente uma ideia com base em nacionalismos injustificados.
Por mais que alguns linguistas defendam paradoxalmente o contrário, o senso comum diz-nos que é mais lógico ler e é mais fácil escrever as palavras sem as letras que não têm qualquer função na oralidade (exemplo em didactismo ou óptimo).
O impacto ambiental provocado pelo novo acordo é uma falácia. Argumentam que a percentagem de alterações é superior à contada num corpus lexical, dada a frequência das palavras que mudam. Mas esquecem que, se se considera o uso vocabular, então tem de se fazer as contas no texto específico dum discurso. Ora, na enormidade de palavras que se repetem e na elevadíssima frequência comparativa das palavras habituais no vocabulário fundamental, normalmente é reduzidíssima a percentagem daquelas com as sequências consonânticas em causa, num texto de uso corrente. Por exemplo, numa resposta para Ciberdúvidas, em linha, sobre o novo acordo, contaram-se duas alterações em 570 palavras…
II. Algumas razões pertinentes dos antiacordo
Aqueles que se opõem à entrada imponderada do novo acordo têm razão no facto de ser indispensável que, muito antes, haja um Vocabulário Comum, como aliás os seus signatários determinaram (e não se entende que agora se contradigam). Por vários motivos (conforme detalhadamente já explicado no mesmo local da página acima citada):
O texto do acordo não é esclarecedor em vários itens. Nomeadamente na base XV, 1.º, obs., que recomenda `mandachuva´ (e então pode perguntar-se se será também, por exemplo, `rodaviva, cabracega, ferrovelho´, etc., etc., etc.); ou na base XVI, 2.º, b), que recomenda "agroindustrial" (e então pode perguntar-se se em casos como "intraocular" não haverá retorno da grafia sobre a fonia, isto é, o que devia ser o encontro fonético de duas vogais, conseguido com o hífen, vir a pronunciar-se num ditongo).
Há muitas palavras em que as grafias diferem entre Portugal e o Brasil, como escutismo e escotismo, comummente e comumente, hífenes e hifens, etc. etc. Como vai ser?
As duplas grafias, se podem ser uma vantagem nalgumas palavras, para se continuar a escrever na grafia anterior, são no entanto susceptíveis de dar origem a uma tremenda confusão: com cada lexicógrafo a inventar a sua dupla grafia, e, no limite, a não haver mudanças, pois tudo passa a ser legal… Este risco releva a necessidade do Vocabulário Comum oficial, com as palavras efectivamente legítimas.
É mais que certo virmos a ter em breve um corrector ortográfico elaborado pelo Brasil, o que pode fazer em pouco tempo, dado que dispõe já de um vocabulário de 350 000 entradas actualizado em 1998, enquanto o nosso equivalente é de 1940… Notar que os brasileiros prevêem que o novo acordo passe a vigorar no Brasil em 2009… Corrector que poderá estar dirigido às variantes brasileiras e não servir as variantes do português europeu.
Um dos objectivos da ortografia comum é que haja um dicionário comum, com todas as entradas legais na língua (presentemente às vezes não é fácil a um estrangeiro encontrar as palavras de um país nos dicionários de outro). Ora com o seu dinamismo na língua, é de esperar que o Brasil apresente muito rapidamente esse dicionário comum. Então, há risco de (sem a imposição oficial das variantes vernáculas e em uso do português europeu) aparecerem palavras e acepções que não sejam sancionadas pela comunidade científica portuguesa. Lembremos que o Dicionário dito da Academia, de 2001, mas edição externa, tem soluções criticadas no meio linguístico português e só apresenta 70 000 entradas.
Por todos estes motivos, têm razão aqueles que consideram indispensável a publicação antecipada do Vocabulário Comum oficial para toda a lusofonia, exigido no Preâmbulo do acordo de 1990. Acrescento: que tenha em consideração um amplo Vocabulário Actualizado do Português Europeu, a ser elaborado ponderada e urgentemente pela nossa Academia das Ciências de Lisboa. Este vocabulário deverá ter já a grafia recomendada para Portugal segundo o novo acordo, considerando a pronúncia habitual das palavras no país. Não basta a colaboração útil dos lexicógrafos: é precisa uma determinação legal que ponha ordem no seu empenho criativo.
Quando os representantes dos países interessados se reunirem para elaborar o Vocabulário Comum, decidirão quais os termos únicos que ficam e quais as duplas grafias que não se podem dispensar.
Resumindo, se Portugal não tomar medidas urgentes, há a eventualidade de, com o novo acordo, ficarmos na língua, sim, vassalos do Brasil; e, então, os nacionalistas não perdoarão, a governantes presentemente centralizados nas realizações de grande visibilidade, o facto de serem negligentes com o património linguístico.
texto em linha na página pessoal do autor, consultor do Ciberdúvidas e membro do Conselho Científico da Sociedade da Língua Portuguesa