«(...) O registo de falares regionais em dicionários e livros a eles dedicados é um valioso contributo para conhecer a alma da cultura popular. (...)»
(...) Não só dos algarvios, também de outros regionalismos que vão sendo registados em livros ou dicionários, muitas vezes em edições locais de circulação restrita, ainda que esmeradas. O título desta crónica, composto a partir de palavras que constam do Dicionário do Falar Algarvio, de Eduardo Brazão Gonçalves (2.ª edição aumentada, de 1996, da Algarve em Foco Editora), quer dizer algo como «Brigaram lá no monte por uma vasilha. Danados!». Mas «barranha», segundo tal livro, tem outros significados além de «vasilha», podendo ser «jarra de barro pintada», «almotolia» ou «mulher atarracada e pouco desembaraçada».
A par deste livro, citar-se-ão aqui dois outros de igual propósito: Vermiosa, com o seu Linguajar de Outros Tempos, de Delfina Maia Fonseca Lima e Maria Leopoldina M. F. Bordalo (ed. Câmara Municipal de Figueira de Castelo Rodrigo, 1997) e o Dicionário de Palavras Soltas do Povo Transmontano, de Cidália Martins, José Pires e Mário Sacramento (ed. da União das Freguesias de Sé, Santa Maria e Meixedo e da Guerra & Paz, 2017; e um dos raros livros desta editora que «segue a grafia do novo Acordo Ortográfico», decerto por vontade expressa dos autores).
Voltando ao Algarve, o citado dicionário colige «palavras, expressões e modos de dizer ou de pronunciar usados exclusivamente ou com maior frequência» naquela região, com as suas «particularidades fonéticas, morfológicas e sintácticas», não querendo com isto dizer que sejam exclusivas do Algarve, pois muitos destes falares são transversais a várias regiões. Por exemplo, «escândela» ou «descândela», que no Algarve quer dizer «escândalo», ou «descândola», que ali significa ofensa, queixa, desconsideração, anda muito perto da «escândola» (razão de queixa) transmontana ou das «escândulas» (ofensas) de Vermiosa, assim como «tato», que é tonto no Algarve e gago na Vermiosa, acumula estes dois significados no falar de Trás-os-Montes.
Aqui vai uma antiga expressão algarvia adequada à época: «[dia de] charro do alto». Diz o dicionário que era o «dia em que aos cavalheiros frequentadores de cinema era dado o direito de levar consigo uma dama sem esta pagar entrada, facilidade que era concedida sobretudo na época do Verão.» Vão longe, tais tempos. Mais adiante, «espalaiado» surge como amolecido, muito cansado; «gacho» como um animal baixo ou uma pessoa «com o olhar fixado no chão, como que ruminando deslealdade»; «linguarim» como falatório; «molhadura» como gratificação, gorjeta ou recompensa, podendo também ser uma rodada de bebida para celebrar algo; «perroca» ou «parroca» como paróquia; «pilharcada» como fartura; «[andar à] rigoria» como «andar à vontade, sem orientação»; «supremo» como repressão, dominação; e «tirar uma viva” como brindar.
Os exemplos são às centenas, completados por uma explicação, em apêndice, acerca da formação das palavras e das suas particularidades fonéticas, morfológicas e sintácticas. Uma colectânea preciosa.
Cf. Babilónico de turistas, o Algarve já inspirou muitos poetas + Portugal assinou a Carta Europeia das Línguas Regionais e Minoritárias
Crónica do jornalista Nuno Pacheco, transcrita do jornal Público, com a devida vénia, conforme a norma ortográfica de 1945 seguida pelo autor.