«(...) Entre os benefícios e conhecimento que o Ciberdúvidas foi distribuindo e semeando discretamente – não resisto a compará-lo às extraordinárias bibliotecas itinerantes da Gulbenkian, de que eu tanto beneficiei! (...)»
Ciberdúvidas da Língua Portuguesa completou, a 15 de janeiro, 25 anos de existência. Este serviço público informal foi criado em 1997 por João Carreira Bom, jornalista, cronista e contista, e por José Mário Costa, também jornalista e que foi responsável, desde 2006, por várias temporadas do programa Cuidado com a Língua!, da RTP. João Carreira Bom faleceu em 2002 e muita falta me fizeram as suas crónicas no Expresso, de que fui leitora ávida e guardo uma doce memória, textos que revelavam um excelente domínio da língua portuguesa, povoados de criatividade e humor.
Foi José Mário Costa, com apoio de algumas instituições patrocinadoras, da Sociedade da Língua Portuguesa e de um conjunto de colaboradores dedicados, quem manteve o Ciberdúvidas no ar até este ter sido adquirido pelo Instituto Superior do Trabalho e da Empresa (ISCTE), onde atualmente se encontra sediado.
O Ciberdúvidas faz hoje parte dos portais de visita obrigatória de muitos dos profissionais que trabalham diariamente usando a língua portuguesa como matéria-prima (e.g. revisores, redatores, tradutores) e também de muitos curiosos (e.g. professores e estudantes de áreas diversas, advogados, juristas, médicos), «utilizadores conscientes da língua», formulação que cunhei há cerca de 20 anos, quando concebi e coordenei um pequeno projeto, o PorLinha, financiado pela FCT e pelo Camões, que permitiu ler, classificar e organizar em base de dados as mais de 15 mil perguntas-respostas armazenadas na página até 2004.
Para quem não conhece, o Ciberdúvidas da Língua Portuguesa é um portal da Internet cujos utilizadores podem, gratuitamente, colocar questões sobre a língua portuguesa e obter respostas; atualmente, dado o extenso acervo de perguntas-respostas armazenadas e pesquisáveis, ele constitui ainda uma espécie de "catálogo de dúvidas", disponível para consulta; além disso, o Ciberdúvidas é um repositório de notícias (sobre eventos, publicações, iniciativas) relacionadas com a língua e o seu uso, além de que fornece um rico arquivo de textos de opinião e crónicas sobre o português publicadas ao longo do último quarto de século.
O Ciberdúvidas foi uma iniciativa pioneira – não tenho a certeza se, no início do século XXI, existiria um serviço semelhante para qualquer outra língua do mundo e, mesmo hoje, não conheço nenhum com as mesmas características. O seu pioneirismo foi também, creio, responsável pelo seu percurso conturbado, que só uma perseverança raiando a teimosia foi capaz de manter. O caráter profundamente normativo das respostas dos primeiros tempos (alicerçado num conceito de norma como "variedade congelada", "correta", mas que raros dominam ou usam) foi-se alterando ao longo das duas décadas e meia da sua existência, assumindo progressivamente uma postura mais descritiva e pedagógica e veiculando uma norma entendida como padrão, representativa dos usos efetivos da língua, muito mais próxima daquilo que os linguistas entendem.
Entre os benefícios e conhecimento que o Ciberdúvidas foi distribuindo e semeando discretamente – não resisto a compará-lo às extraordinárias bibliotecas itinerantes da Gulbenkian, de que eu tanto beneficiei! –, cabe destacar o facto de se ter constituído, desde os seus primórdios, como ponto de encontro de tantos que, pelo mundo inteiro, falam e pensam e sentem (também) em português, espaço de diálogo e discussão sobre este magnífico património imaterial que nos une.
25 anos passaram. Venham mais 25! Parabéns, Ciberdúvidas!
Crónica da professora universitária e liniguista Margaita Correia, publicada originalmente no Diário de Notícias no dia 17 de janeiro de 2022.