1. 15 de janeiro assinala o aniversário do Ciberdúvidas, projeto que perfaz 22 anos mantendo toda a atualidade e pertinência no mundo da língua portuguesa, como o confirmam os cerca de 1,4 milhões de consultas mensais e as questões colocadas por consulentes oriundos de um pouco por todo o mundo. É esta realidade que continua a manter bem vivo o papel do Ciberdúvidas, sempre movido pelo interesse pela língua, numa ação que se tem desenvolvido sempre de forma graciosa e universal e que, para ultrapassar as dificuldades por que tem passado, tem contado apenas com os apoios dos seus consulente mais dedicados. Por tudo isto, é momento de proclamar: oxalá possa o Ciberdúvidas continuar, por muito anos, a receber os votos de parabéns que tantos consulentes generosamente lhe enviam.
(Imagem principal: Alexandre O'Neill, A Linguagem, 1948)
2. Dúvidas suscita a língua com as suas palavras, um meio privilegiado de comunicação mas também fonte de hesitações e de dúvidas, tal como ilustra a atualização do Consultório, onde se apresentam questões que se prendem com a origem de um topónimo (Burguel), a classe a que pertence uma palavra (muitas), a funcionalidade de determinados constituintes associados ao sujeito («esse sim» ou «esse, sim») e a correção de certas expressões («É claro que» ou «Claro que»).
3. Perplexidade traz a investigadora Helena Matos, quando defende que os falantes procuram uma língua cada vez mais assética, ideia que sustenta o artigo que publicou no jornal digital Observador e que reproduzimos, com a devida vénia, na rubrica Controvérsias Esta tendência espelhará uma sociedade que procura a neutralidade (inclusive a linguística) em todos os campos: género, raça, sexualidade... Constrangimentos que forçam os falantes ao recurso a perífrases, a longas formulações para evitar dizer o óbvio, que pode, no entanto, ferir suscetibilidades.
4. Perplexidade ainda parece oferecer a opção de um manual escolar (destinado ao ensino secundário em Portugal) de não reproduzir alguns versos do poema «Ode Triunfal» de Álvaro de Campos, um dos heterónimos pessoanos (notícia do semanário Expresso) – opção que, aliás, parece ser comum a outros manuais escolares. Relativamente a este assunto, é de referir que a edição citada pelo manual escolar em questão (Editora Ática, já extinta) também já não apresenta um verso integral e omite uma palavra de um verso. Acresce ainda que o mesmo manual escolar apresenta à margem, na versão do manual destinada a professores, os versos suprimidos, deixando, portanto, ao professor a decisão de os apresentar aos seus alunos. Perante estes factos, usar o termo censura para descrever o sucedido parece um pouco exagerado. Será talvez uma opção de pudor.
Na imagem, a página 151 da impressão de 1980 de Poesias de Álvaro de Campos, livro publicado em 1944 pels Editora Ática e integrado na coleção Obras Completas de Fernando Pessoa. Assinala-se na foto, a vermelho, o apagamento de uma palavra no quinto verso – trata-se do plural putas – e a omissão de todo o 22.º verso, correspondente a «Masturbam homens de aspecto decente nos vãos de escada», conforme se pode comprovar pelo confronto com a versão integral do poema que o Arquivo Fernando Pessoa disponibiliza em linha. Estas supressões são conhecidas há décadas, mas não ocorriam no texto que o n.º 1 da revista Orpheu (pág. 81) apresentou em 1915. Também não se verificam noutra edição famosa, a da editora brasileira José Aguilar, num volume intitulado Fernando Pessoa. Obra Poética e publicado em 1960, com organização e anotação de Maria Aliete Galhoz [cf. artigo "História da edição nacional (até 2008)", do Projecto Modern!smo online: Arquivo virtual da geração de Orpheu]. Sobre a opção do manual Encontros – 12.º ano, da Porto Editora, de suprimir os referidos versos na versão do poema destinada a alunos, leia-se o esclarecimento publicado pelos respetivos autores aqui. Acerca deste tema, ver ainda "Docentes repudiam corte de versos de Álvaro de Campos pela Porto Editora", trabalho da jornalista Carla Viana saído no jornal Público, em 15/01/2019.
5. Novidades linguísticas surgem constantemente em meios sociais dinâmicos, como é o caso da política. A contestação à liderança do PSD, no desafio feito pelo ex-deputado Luís Montenegro ao presidente do seu partido, Rui Rio, motivou a criação do neologismo riogicídio por parte do jornalista Sebastião Bugalho, num artigo intitulado A tentativa de riogicídio (no jornal digital Observador). A formação desta palavra fez-se por analogia com regicídio, que significa «assassínio de um monarca» – substituindo o radical reg- pelo apelido Rio (último nome do político português em causa), amalgamado com o elemento -gicídio, que exprime a noção de «ação que provoca a morte ou o extermínio» (cf. Dicionário Priberam em linha).
6. Complexo é pensar a linguagem, questionar a linguagem, associar afetos à linguagem, reformular a linguagem. São as inúmeras ações que a linguagem envolve que servem de reflexão a um texto do poeta, crítico e comentador político português Pedro Mexia, num artigo dado à estampa na E, revista do semanário Expresso e reproduzido em O Nosso Idioma.