1. No regresso do Ciberdúvidas à atividade regular, depois da pausa do Natal, os neologismos são o tema principal da primeira atualização de 2024. Um vocábulo novo, formado no contexto de uma mesma língua, ou introduzido como estrangeirismo, isto é, como empréstimo de outra língua, pode ter vida efémera, ditada pela moda, ou uso escasso, limitado a temas especializados; mas um neologismo pode integrar-se e ter futuro. Vem, então, a propósito referir uma palavra em circulação na cobertura mediática da guerra na faixa de Gaza: trata-se de domicídio, adaptação do inglês domicide, «destruição deliberada programada de casas e lares», formado a partir de domestic («doméstico») ou domicile («domicílio») e -cide, elemento cognato do português -cídio, que veicula a noção de «assassínio» (ver Wiktionary em inglês). Constituído integralmente por material com origem no latim, o termo terá sido cunhado em 1998 pelo geógrafo anglo-canadiano J. Douglas Porteous, autor, com Sandra E. Smith, de um livro publicado em 2001 com o título Domicide: The Global Destruction of Home, isto é, numa tradução livre (e inquietante), o mesmo que «Domicídio: A Destruição Mundial da Casa». A palavra domicídio é, portanto, motivada por um composto inglês de etimologia latina, cujos formantes se transpõem em português sem dificuldade e com correção.
Cf. A dimensão da destruição na faixa de Gaza no fim de 2023 + Destruição em Gaza faz especialistas pedirem que crime de «domicídio» seja criado + Relatores da ONU acusam Israel de «domicídio» + '"Escolasticídio", acrónimo vs. sigla, «mais além», o feminino nos nomes dos cargos e profissões'
2. A palavra enantiossema existe em português? E que quererá dizer? A resposta sobre este termo neológico encontra-se no Consultório, onde se esclarecem outras cinco dúvidas: que diferença há entre «gostar da música popular» e «gostar de música popular»? Uma locução é o mesmo que uma colocação? Que preposições podem associar-se ao adjetivo desconfiado? Como analisar sequências como «viúvo que foi» ou «acabado que foi o prazo»? Media-arte é palavra correta?
3. Na rubrica O Nosso Idioma, dois apontamentos ainda sobre casos de neologia:
– O empréstimo dorama é a denominação japonesa de um género televisivo que conquista público, a ponto de ter entrada no vocabulário da Academia Brasileira de Letras. A consultora Sara Mourato regista as primeiras manifestações do uso desta palavra em português.
– No contexto do lançamento de um novo livro da investigadora portuguesa Maria Filomena Mónica, o consultor Paulo J. S. Barata aborda um neologismo de há vinte anos, blogue, cujo radical estimulou a inventividade dos falantes, com o aparecimento de vocábulos como blogueiro e blogodesenvolvido.
4. Na rubrica A covid-19 na língua, assinala-se uma nova entrada: esplanadas-covid, relativa à remoção das muitas esplanadas que, em Lisboa, foram criadas para enfrentar a crise na restauração decorrente da pandemia.
5. Em 20 de dezembro de 1999, o território de Macau tornava-se a Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) da República Popular da China. A professora universitária e linguista Margarita Correia evoca esta transição, considerando que, ao contrário do que seria de esperar, o português «floresceu em Macau», num artigo publicado no Diário de Notícias em 01/01/2024, transcrito aqui, com a devida vénia.
6. Faleceu, em Lisboa, em 4 de janeiro de 2024, o cantor, compositor e poeta angolano Rui Mingas (Luanda, 1939), que ficou famoso por êxitos musicais como Os Meninos do Huambo. Além do desporto de competição (recordista dos 110 metros barreiras, em 1960, pelo Benfica de Lsboa), teve também importante ação política, assumindo funções como ministro do governo de Angola e como embaixador angolano em Portugal. Rui Mingas é também o autor da música do hino nacional de Angola, com letra do escritor Manuel Rui.
7. Outros registos da atualidade em Portugal com interesse para a língua portuguesa: a criação de um comissariado para as comemorações do 5.º centenário de Camões (Observatório da Língua Portuguesa, 30/12/2023); a escolha de professor como Palavra do Ano, passatempo da Porto Editora (Expresso, 03/01/2024); sobre a falta de professores, a estimativa da Federação Nacional de Professores, segundo a qual há, desde setembro de 2023, dois mil alunos sem um dos professores (Jornal de Notícias, 03/01/2024); e a aprovação pela Comissão dos Assuntos Constitucionais de diploma que permite nomes neutros no registo civil (Público, 03/01/2024).
8. Na passagem de 2023 para 2024, salienta-se:
– A publicação do número 60-61 da revista Palavras, da Associação de Professores de Português. Este número, coordenado pela linguista Carla Marques, que é também consultora permanente do Ciberdúvidas, reúne um conjunto de estudos de investigadores de Portugal e do Brasil sobre o ensino da oralidade na disciplina de Português, nos ensinos básico e secundário.
– O livro eletrónico O Galego e o Português: o Passado Presente (Parábola), volume organizado por Jussara Abraçado e Xoán Carlos Lagares, com a finalidade de aprofundar o estudo das relações históricas entre o galego e o português e promover interações na investigação de questões e fenómenos próprios do galego e de variedades do português.
9. A respeito de três dos programas que a rádio pública portuguesa dedica ao idioma comum:
– No programa Língua de Todos, difundido na RDP África, na sexta-feira, 05/01/2024 às 13h20* (repetido no dia seguinte, c. 09h05*), inclui-se uma entrevista com Cristina Martins, investigadora do CELGA-ILTEC, da Universidade de Coimbra, que discorre sobre um artigo que escreveu para a Revista da Associação Portuguesa de Linguística, intitulado, "O que ainda não sabemos e precisávamos de saber para o ensino de Português Língua Não Materna".
– Para refletir sobre os horóscopos enquanto género textual, Rute Rebouças, investigadora do Centro de Linguística da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, é a especialista convidada de Páginas de Português, transmitido pela Antena 2, no domingo, 07/01/2024, às 12h30* (repetido no sábado seguinte, 13/01/2024 às 15h30*). No programa inclui-se ainda um apontamento da professora Carla Marques sobre o sentido do provérbio «pedra movediça não cria bolor».
– Mencione-se ainda Palavras Cruzadas, programa realizado por Dalila Carvalho e transmitido na Antena 2, cujas emissões de 8 a 12/01/2024 (de segunda a sexta-feira, às 09h50* e às 18h30*) são preenchidas com a discussão de palavras e expressões da linguagem das finanças públicas e da economia.
10. Por úlitmo, recorde-se que, até dia 10 de janeiro, o Ciberdúvidas lança aos seus leitores um desafio – a Dúvida do Ano. Qual lhe parece ser a dúvida (ou erro) mais frequente entre os falantes? Apresentamos dez possibilidades, entre as quais poderá selecionar aquela que julga ser a mais corrente – para participar, clicar aqui.