Parece-me que é preciso desfazer uma confusão prévia: o termo consoante muda designa não propriamente as consoantes "não seguidas de vogal", mas, sim, uma letra à qual não se associa qualquer unidade fónica na leitura. Não é o caso de helicóptero, que tem um [p] articulado e audível, nem o de facto, no português europeu, que se pronuncia com [k] (transcrição fonética: [ˈfaktu].
Convém, assim, esclarecer o que se entende por consoante muda e consoante sonora. Se consultarmos o Dicionário Houaiss na edição brasileira de 2001, verificaremos que o termo consoante muda pode ter dois significados:
a) «o m[esmo] q[ue] consoante oclusiva»;1
b) «letra consoante mantida na escrita mas não pronunciada».
Tendo em consideração a), diga-se que à letra p de helicóptero se associa um som que corresponderá efetivamente a uma consoante muda, se pelo uso deste termo se entender uma consoante oclusiva. O mesmo se poderá dizer acerca do som [k] quando este é realmente produzido na leitura e na pronunciação da sequência gráfica caracterizar, que tem como alternativa a forma caraterizar, sem c, e por consequência sem [k] associado (cf. Dicionário Houaiss).
Mas se tomarmos em atenção a definição b), estaremos a falar apenas de letras (e não de sons). Sendo assim, importa assinalar que a edição brasileira do Dicionário Houaiss publicada em 2001 indica, em nota gramatical correspondente à entrada consoante, que «no Brasil, de acordo com as normas do Formulário Ortográfico de 1943, não se grafam as consoantes etimológicas finais de sílaba (implosivas)2 quando mudas (não articuladas); em Portugal, segundo o Acordo Ortográfico de 1945 assinado em Lisboa a 10 de agosto de 1945, mas não sancionado no Brasil pelo Congresso Nacional, elas continuam a ser grafadas sempre que se seguem às vogais átonas a (aberta), e ou o (semi-abertas) para indicar a abertura dessas vogais (p.ex., acção, ilacção, exacto, trajecto, óptimo, Neptuno); mantêm-se igualmente essas consoantes ditas etimológicas em sílaba tônica nas palavras pertencentes à mesma família ou flexão.»
Por outras palavras, no contexto do uso ortográfico brasileiro, há muito que não se usam as consoantes mudas.3 E se helicóptero se escreve com p mesmo no português do Brasil, então é porque esse p se associa a uma unidade fónica efetiva e, por isso, não é mudo, como, aliás, se comprova pelo ficheiro áudio correspondente a esta palavra no Aulete Digital, no qual é audível uma consoante oclusiva bilabial surda, ou seja, [p].
1 Uma consoante oclusiva é um som produzido por uma obstrução do ar expirado por parte de um dos órgãos do aparelho fonador; exemplos: [p], [t], [k], [b], [d], [g].
2 Uma consoante implosiva é «aquela que segue uma vogal ou um núcleo de sílaba, correspondendo, na sílaba, à fase de tensão decrescente (p.ex., na palavra mar, o/r/ é implosivo)» (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, edição de 2001).
3 No Brasil, antes da entrada em vigor do Acordo Ortográfico de 1990, a norma ortográfica vigente, o Formulário Ortográfico de 1943, previa casos em que as letras s e x eram consoante mudas: «Escreve-se, porém, o s em palavras como descer, florescer, nascer, etc., e o x em vocábulos como exceto, excerto, etc., apesar de nem sempre se pronunciarem essas consoantes.»