O seu amigo pode desconhecer o valor de suposição de ter, mas na verdade os gramáticos brasileiros referem-no. Note, aliás, que esse valor não é uma característica do verbo ter; antes se encontra associado ao uso do futuro simples e composto (chamado futuro do presente no Brasil) e do condicional simples e composto (futuro do pretérito, no Brasil). O gramático brasileiro Evanildo Bechara (Moderna Gramática Portuguesa, pág. 279/280) dá pormenores:
«O futuro do presente pode ainda exprimir [...] em lugar do presente, incerteza ou idéia aproximada, simples possibilidade ou asseveração modesta:
"O mal não será a especiaria do bem?" [Marquês de Maricá].
"Ele terá seus vinte anos." [...]
O futuro do pretérito se emprega [também] para denotar:[...]
b) asseveração modesta em relação ao passado, admiração por um fato se ter realizado:
"Eu teria ficado satisfeito com as tuas cartas" [Ribeiro de Vasconcelos].
"Nós pretenderíamos saber a verdade."
"Seria isso verdadeiro?"
c) incerteza:
"Haveria na festa umas doze pessoas." [...]»
Acresce que o futuro composto do indicativo (auxiliar ter + verbo principal: «terá acontecido») pode substituir o pretérito perfeito simples («aconteceu«) para indicar dúvida ou suposição. Sendo assim, na sequência «(...) foi no quarto onde terá acontecido o acidente que (...)», a expressão verbal «terá acontecido» é o futuro composto do indicativo do verbo acontecer usado em lugar do pretérito perfeito do indicativo («... que aconteceu...») para marcar incerteza em relação à localização de um evento («... quarto onde... acidente...»).1
1 Pedimos a F. V. P. da Fonseca um comentário acerca deste uso do auxiliar ter: «De facto, há esta diferença de emprego do futuro do verbo ter. Vários modos de falar (e, portanto, de escrever) há mesmo dentro de Portugal, como maior emprego do gerúndio na parte sul do País: "Que estás fazendo?" ao lado de "Que estás a fazer?".»