DÚVIDAS

Vogais e ditongos nasais, outra vez

Acompanhando o meu neto de 10 anos nos estudos, surgiu-me uma dúvida em relação à diferença entre vogais e ditongos nasais. Dada a definição de ditongo como explicar que “am”, “em”, “en/(s)” são ditongos nasais e não vogais nasais (conforme Saber Escrever, Saber Falar de Edite Estrela e outras, Ed. Círculo de Leitores, p. 33)? E o caso de ui em muito?

Resposta

As vogais nasais em português podem ser tónicas ou átonas. As tónicas são pronunciadas com maior intensidade que as átonas:

– tónicas
[ĩ]– tinto
[] – cento
[ɐ̃]– pranto
[õ] – tonto
[ũ]– mundo

– átonas
[ĩ] – fintar
[ũ] – umbigo

Os ditongos nasais em português são decrescentes, ou seja, são constituídos por uma vogal seguida de semivogal (também chamada glide). Foneticamente, existem na língua portuguesa duas semivogais: [j] e [w].

Os ditongos decrescentes nasais em português podem ser:


[ɐ̃j̃] – alemães
[õj̃] – anões
[ɐ̃w̃] – adopção
[ũj̃] – muita

Em final de palavra, a grafia -am representa o ditongo [ɐ̃w̃], e -em e -en(s) correspondem, no português europeu, a [ɐ̃j̃].1 . De realçar que a terminação -am só se aplica a parte da flexão verbal (escreve-se aleijam, de aleijar, mas aleijão, quando é nome), enquanto -em/-en(s) surge em diferentes classes de palavras: em verbos – tem/tens; em nomes e adjectivos – homem/homens, jovem/jovens; em preposições, conjunções e advérbios – em, nem e também, respectivamente.2 

Porquê -am/-em/-en(s) e não -ão/-ãe/-ãe(s)? A resposta deve-se ir buscar em parte a razões históricas (etimologia da forma verbal, tradição ortográfica da língua portuguesa). Por outro lado, estas grafias permitem reduzir o número de acentos gráficos para marcar a sílaba tó[ô]nica e reduzem o número de homógrafos (palavras que se escrevem da mesma maneira). Se passássemos a escrever -ão e -ãe na posição final das formas verbais, obteríamos, por exemplo, "cântão" (cantam)/"cantárão" (cantaram)/"cântãe"3 (cantar) ou "zângão" (zangar), que se confundiria com zângão (nome, «abelha do sexo masculino).

Quanto ao ditongo nasal na palavra muito, a sua presença deve-se à assimilação do som [m] inicial, que se estendeu ao ditongo ui, transformando-o em ditongo nasal. Essa nasalidade não é marcada graficamente mas, sim, foneticamente.


1No português do Brasil, em dialectos do português europeu e talvez nos países africanos onde se fala o português (não temos dados disponíveis), a grafia -em/-en(s) representa o ditongo [j̃], distinguindo-se do ãe de mãe.
2A grafia en é pronunciada como ditongo no interior de palavras formadas por adjunção de sufixo, como nos diminutivos: benzinho (=bem+-zinho) e imagenzinha (=imagem + -zinha).
3Ou teríamos de criar a nova grafia "ẽi" em "cântẽi" para representar o ditongo referido na nota 1.

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa