1. Quer a tradição gramatical quer a investigação linguística aceitam, em níveis de análise mais ou menos abstratos, a existência de ditongos em português, muito embora se considere geralmente que apenas os ditongos decrescentes (vogal + semivogal, ou vogal + glide1, ou ainda vogal dominante + vogal subjuntiva – a terminologia varia) sejam os "verdadeiros" ou os mais estáveis (cf. infra Cunha e Cintra 1984, p. 48). O que se acabou de dizer é confirmado pelas seguintes fontes:
– Celso Cunha e L. F. Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, p. 48: ditongo é o encontro de vogal + semivogal (ditongo decrescente) ou semivogal + vogal (ditongo crescente); ditongos crescentes (instáveis) vs. ditongos decrescentes (estáveis).
– António Emiliano, Fonética do Português Contemporâneo, Lisboa, Guimarães Editores, 2009, pp. 34-37: os ditongos são «sequências de dois vocóides»; embora aceite a existência de semivogais, este autor considera que estas não participam na constituição dos ditongos.
– Maria Helena Mira Mateus et al. Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Editorial Caminho, 2003, pp. 993/994: os ditongos são constituídos por vogal + glide (ou semivogal); as glides existem não no nível fonológico, mas, sim, no nível fonético.
Pode ainda verificar que os termos diphtong (inglês) e ditongo são usados, respetivamente, por M.ª Helena Mateus e Ernesto d´Andrade, em The Phonology of Portuguese (Oxford University Press, 2000, p. 18), e Maria João Freitas e Ana Lúcia Santos, em Contar Histórias de Sílabas (Lisboa, Edições Colibri/Associação de Professores de Português, 2001, pp. 41 e 53).
Pode-se, portanto, afirmar que o termo ditongo tem uso e que este uso é adequado, porque tem denominado, tanto na descrição gramatical no contexto escolar quer na descrição mais aprofundada, de caráter universitário, um certo tipo de sequência vocálica (que faz parte da mesma sílaba).
O que não é tão consensual é a forma como se conceptualiza a estrutura interna dessa sequência: diferentes perspetivas vão determinar terminologias diferentes e até representações diferentes. Por exemplo:
– em Cunha e Cintra 1984, Mateus et al. 2003, Mateus e Andrade 2000 e Freitas e Santos, o ditongo que ocorre na palavra pai é transcrito como [aj];
– em Emiliano 2009, a mesma palavra é transcrita como [pai] (o [i], com sinal de breve inverso, que não é possível aqui apresentar).
Observe-se que, ao contrário do que afirma o consulente, neste caso, a entidade linguística é a mesma – pai; as transcrições e as teorizações subjacentes é que são diferentes. Não podemos, portanto, concordar com a afirmação que o consulente faz, segundo a qual «pronunciar [aj] não é o mesmo que pronunciar [aiꞈ]»: «não é», se um autor ou um grupo de autores define como diferentes [j] de [i] depois de [a]; mas será com certeza uma maneira de representar a mesma pronúncia em perspetivas diferentes.
2. O conceito de ditongo é também comum na descrição linguística de outras línguas, como, aliás, as citações apresentadas pelo consulente comprovam.
3. Em síntese, não parece haver deturpação nem impropriedade lexical quanto ao uso de ditongo, nem sequer inadequação do conceito associado à realidade em questão (certo tipo de sequência vocálica). As diferentes definições de ditongo têm que ver com perspetivas distintas, adotadas por diferentes escolas e investigadores no âmbito dos estudos gramaticais e linguísticos.
1 Glide é termo usado como sinónimo de semivogal, mas também se aplica na descrição da adição de um segmento: «som de transição, não distintivo, produzido pela passagem dos órgãos fonadores e articuladores de uma posição para outra (p.ex., na fala carioca, entre uma vogal e uma chiante final é pronunciada a semivogal [i], que é um glide: n[ói]s 'nós', p[ai]s 'paz' etc., por influência da chiante que, como o [i], é pronunciada perto do palato duro)».