Carla Viana - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Viana
Carla Viana
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Carla Viana é licenciada em Linguística e mestranda em Linguística Computacional pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

 

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Na frase: «Assim, um espírito moderno, que se vinha processando, apenas encontrou no Orpheu aquele escândalo momentâneo que justifica os “nascimentos” convencionais», «que se vinha processando» tem valor restritivo? Em caso afirmativo, porquê?

Resposta:

A oração «que se vinha processando» tem por antecedente o sintagma «espírito moderno» e é introduzida pelo pronome relativo que. Esta oração é subordinada relativa explicativa. Passo a explicar o porquê.

As orações relativas com antecedente expresso podem ser relativas explicativas ou restritivas:

a) as relativas explicativas são orações que têm um antecedente expresso e são introduzidas por pronomes relativos ou expressões relativas. Estas orações relativas são separadas por vírgulas na escrita e marcadas por uma pausa, no discurso oral. A omissão da relativa explicativa não altera o sentido da subordinante, uma vez que a denotação do antecedente é a mesma e não permite que a frase principal se torne agramatical.

b) As relativas restritivas restringem a informação dada sobre o antecedente. Este tipo de relativas liga-se ao antecedente sem uma pausa, modificando o grupo nominal antecedente e restringindo-o semanticamente.

A omissão da relativa restritiva compromete o sentido da frase subordinante, uma vez que o altera:

«Os alunos que fizeram o trabalho de matemática são reconhecidos pelas suas notas.»

Pergunta:

Gostaria de saber qual das duas palavras, cosmo ou cosmos, é mais correcta e porquê.

Resposta:

As duas palavras encontram-se atestadas em dicionários de referência da língua portuguesa, como o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa; no entanto, têm significados diferentes:

a) cosmo, substantivo masculino: do latim cosmos, o mesmo que Cosmos;

b) Cosmos, substantivo masculino: do latim Cosmos, refere o conjunto de tudo o que existe, o Universo considerado como um todo harmónico e organizado, por oposição a caos.

A palavra cosmos pode ainda, enquanto substantivo masculino plural, na disciplina de botânica, referir-se a plantas de espécies cultivadas em jardim.

Pergunta:

Tenho algumas dúvidas na divisão silábica de palavras que contenham ditongos no final da palavra. Se até há pouco tempo essa dúvida não me surgia, com o meu regresso à atividade letiva, comecei a ver duas versões para a divisão silábica da mesma palavra. Por exemplo, na palavra polícia, eu dividia po-lí-ci-a, mas, consultando o Portal da Língua Portuguesa, na divisão silábica aparecia po-lí-cia. Após pesquisar outras palavras semelhantes, acentuadas graficamente e que terminem em ditongo (dúzia, experiência, relógio, secretária...) tomei como certo que a divisão se faria assim.

Entretanto com a entrada em vigor do acordo ortográfico, ao consultar os dicionários da Texto Editora, para os vários ciclos, deparo-me com a divisão como fazia anteriormente (refúgio: re-fú-gi-o). Ora, pergunto, quem tem razão? Será o Portal da Língua Portuguesa de confiança? As gramáticas que consultei são omissas em relação a este tipo de palavras, e os colegas com quem já falei também têm dúvidas.

Resposta:

Segundo o novo Acordo Ortográfico, a divisão silábica (processo que consiste na identificação e delimitação das sílabas de cada palavra) geralmente faz-se pela soletração.

As vogais consecutivas que não pertencem a um ditongo decrescente «(as que pertencem a ditongos deste tipo nunca se separam: ai-roso, cadei-ra, insti-tui, ora-ção, sacris-tães, traves-sões) podem, se a primeira delas não é u precedido de g ou q, e mesmo que sejam iguais, separar-se na escrita».

Assim, a divisão silábica da palavra polícia é feita da seguinte forma: po··ci·a.

O Portal da Língua Portuguesa e o Dicionário de divisão silábica, recursos disponíveis em linha, respeitam o novo Acordo Ortográfico e, portanto, se consultar novamente, poderá verificar que a divisão silábica para a palavra polícia que se encontra disponível é po··ci·a. O mesmo se passa para os restantes exemplos que apresentou: ·zi·a, ex·pe·ri·

Pergunta:

O que é uma inflexão verbal?

Resposta:

A inflexão ou flexão denomina o processo através do qual uma mesma palavra pode aparecer em diferentes formas, por exemplo, singular/plural, no caso dos nomes e dos adjetivos (flexão nominal), e nos diferentes modos, tempos e pessoas, no caso dos verbos (flexão verbal).

Em português europeu usamos a designação flexão nominal ou flexão verbal. No caso do português do Brasil foram encontrados exemplos em que na gramática é usado o termo inflexão (como tradução do inglês inflection). No entanto, na maior parte dos exemplos encontra-se o termo flexão.

Pergunta:

Agradeço um esclarecimento sobre a dúvida seguinte:

Na frase «Ele falou aos amigos», o constituinte «aos amigos» desempenha a função sintáctica de complemento indirecto. E qual é a função sintáctica de «com os amigos» na frase «Ele falou com os amigos»?

Semanticamente, «falar a» e «falar com» têm o mesmo valor. Num dicionário que consultei (Dicionário de Verbos Portugueses, Porto Editora), a regência do verbo falar é apresentada deste modo:

falar de, sobre: «falámos dele», «falou-se sobre futebol».

falar a, com: «ele falou a todos», «ele falou com todos».

falar em: «falei nele ao professor»; «falou ontem no assunto»; «falaram em vir mais cedo»; «falei-lhes em inglês».

Porém, sintacticamente, surge a seguinte dúvida:

Na primeira frase, «aos amigos» é um complemento indirecto, sendo introduzido pela preposição a e sendo substituível pelo pronome lhes: «Ele falou-lhes.»

Na segunda frase, «com os amigos» é aparentemente um complemento oblíquo; no entanto, penso que é substituível pelo pronome lhes: «Ele falou-lhes.» Qual é, então, a sua função sintáctica?

Agradeço desde já a atenção dispensada.

Resposta:

De acordo com o Dicionário Terminológico (Ministério da Educação de Portugal), o constituinte «com os amigos» desempenha a função de complemento oblíquo na frase «Ele falou com os amigos».

No Vocabulário de Regime Proposicional de Verbos (Lisboa, Didáctica Editora, 1999), de Cármen Nunes e Leonor Sardinha, verifica-se que o verbo falar é regido pelas seguintes preposições:

a — A Maria falou [aos amigos]/-lhes.

com — A Maria falou com [o porteiro]/ele.

de — A Maria falou-me de ti.

em — A Maria falou-me em ti.

Pode ainda o verbo falar reger preposições como sobre, para e por:

a) Falou sobre as suas férias.

b) Falou para os amigos.

c) Falou pelo irmão.

Se consultarmos o Dicionário Terminológico (DT; Ministério da Educação de Portugal), verificamos que os complementos de verbos introduzidos por diferentes preposições são denominados de complementos oblíquos. Estes complementos são seleccionados pelo verbo e podem assumir a forma de grupo preposicional, e neste caso não são substituíveis pelo pronome pessoal na forma dativa lhe/ lhes (exemplos do DT):

(ii) O João gosta [de bolos].

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