DÚVIDAS

A nasalidade de mui e muito

A respeito da origem da nasalidade em mui/muito, José Joaquim Nunes, no seu Compêndio de Gramática Histórica (1975[1911]), afirma o seguinte:

«embora MUI e MUITO sejam formas clássicas, nas cantigas 38 e 453 do Cancioneiro da Ajuda [séc.XIII], aparecem já nasaladas, como mostram as grafias MUYN e MUINTO donde se conclui não se moderna na língua a nasalização(...).»

Já o gramático Said Ali, na sua Gramática Histórica da Língua Portuguesa (1964[1931]), pensa diferente:

«No extraordinariamente usado MUITO , foi tão tardia a mudança, que o cantor d'Os Lusíadas [séc. XVI] ainda podia dar-lhe para rima FRUITO e ENXUITO. Não se sabe a data da alteração definitiva, porque em MUITO e MUI nunca se assinalou – caso único – a vogal nasal pela escrita. Que em português antigo se pronunciava a tônica como U puro e fora de dúvida, porque, em caso contrário, não lhe faltaria o til, sinal tão profusamente usado naquela época.»

1) O Cancioneiro da Ajuda é do séc.XIII, e Os Lusíadas do séc. XVI, qual dos estudiosos está certo ?

2) Há atualmente consenso entre os estudiosos a respeito de um período específico sobre o começo da nasalidade em mui e muito?

Grato pela resposta.

Resposta

É difícil dizer qual dos dois estudiosos está certo – e talvez a pergunta até tenha de se formular de outra maneira.

Com efeito, o indício de mui e muito já se pronunciarem com nasalidade não é incompatível com a sua pronúncia oral, nem com a rima que possam estabelecer com os arcaísmos fruito e enxuito. Aliás, o que J. J. Nunes diz é que, pela leitura dessas ocorrências, se pode supor já haver nasalização, o mesmo é dizer que a pronúncia tinha passado definitvamente a ser nasal.

Na verdade, o que se deve ter passado corresponde a uma situação de variação linguística, em que as formas orais e as formas nasalizadas existiam em simultâneo no uso. De resto, nos dialetos setentrionais portugueses subsistem formas com ditongo oral, tal como acontece em galego. Além disso, não é seguro que a leitura que J. Joaquim Nunes faz das cantigas do Cancioneiro da Ajuda (ver também aqui) seja seguramente a de um sinal de nasalidade. Hoje sabemos que, na escrita medieval há vários diacríticos que podem não ser exatamente os dos dias de hoje.

Em suma, a nasalidade de mui e muito pode existir desde o período galego-português. Além disso, não é impossível que coexistisse com a pronúncia oral até bastante tarde, até aos séculos XVII ou XVIII.

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