Gostaria, antes de mais, de referir que as palavras compostas constituem, no âmbito da língua portuguesa, um dos temas mais controversos, porque instável. De uma forma simplista, poderemos dizer que nasce uma palavra composta quando duas palavras se associam para formar um novo conceito de que a língua precisa. Partindo desta ideia, a tendência será aglutinar, ou seja, construir graficamente uma palavra uniforme, sem hífen. A título de exemplo, nos tempos idos em que eu aprendi a escrever, ensinaram-me a escrever gira-sol, palavra que hoje todos escrevemos girassol.
A instabilidade, que começa pela grafia, não diminui quando a problemática é a flexão, sobretudo o número, ou melhor, o plural. As regras da gramática tradicional ajudam-nos a tomar uma decisão, mas nem sempre satisfazem. Centrando-nos apenas nas palavras compostas por nomes e adjectivos – nas combinações Nome + Nome ou Nome + Adjectivo –, dizem-nos Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo, que ambos os termos ligados por hífen vão para o plural: obra-prima – obras-primas; amor-perfeito – amores-perfeitos; couve-flor –couves-flores; abelha-mestra – abelhas-mestras.
Verifica-se uma excepção a esta regra, quando se trata de palavras constituídas por dois nomes em que um deles restringe, ou determina, o outro, como no caso de navio-escola, cujo plural é navios-escola. Poderíamos dizer desta palavra que há muitos navios e que alguns são escola. E se este raciocínio funcionar, em princípio, apenas o nome que é determinado, ou restringido, assume o plural. Basta olhar para os dois últimos exemplos que intencionalmente incluí acima – couve-flor e abelha-mestra – para deitar por terra esta regra.
Estudos mais recentes analisam a palavra composta tendo em conta o tipo de relação que se estabelece entre os seus membros. Assim, e tendo em conta que duas palavras da mesma classe gramatical não podem concorrer à mesma posição na frase – posso dizer «O João viaja», mas não posso dizer «*O João a Maria viaja», ou «*O João viaja come» – a palavra composta pode ser encarada como um composto morfológico, ou como um composto morfossintáctico.
No composto morfológico, estamos perante um nome, ou, se quisermos, grupo nominal, modificado, ou qualificado, por um adjectivo, como em amores-perfeitos, ou guardas-nocturnos. Neste caso seguem-se as regras normais da concordância entre nome e adjectivo: vão ambos para o plural.
No composto morfossintáctico, a palavra composta é constituída por dois nomes, havendo entre eles uma relação hierárquica ou sintáctica. Um dos nomes pode subordinar o outro, como acontece em navios-escola; ou podem vir coordenados, tendo igual valor (note-se que quaisquer palavras coordenadas não concorrem à mesma posição numa frase). No primeiro caso, apenas o nome subordinante assume o plural. No segundo caso, ambos vão para o plural.
Relativamente ao tipo de compostos com dois nomes em que um dos nomes é subordinado ao outro e desempenha, de certo modo, o papel de um adjectivo sem que, do ponto de vista da norma, haja condições para o considerar como tal, alguns estudiosos falam de uma tendência da língua que faria com que o nome determinante (o que não varia) viesse, por derivação regressiva, a ser considerado como adjectivo, o que conduziria à inclusão das palavras assim formadas no grupo dos compostos morfológicos. A consequência deste facto seria a flexão dos dois termos da palavra composta. Esse fenómeno explicaria, por exemplo, os plurais couves-flores e abelhas-mestras, em que as palavras flores e mestras seriam consideradas, em contextos destes, como adjectivos.
Note-se que os autores que identificam esta possibilidade indicam que essa evolução não é pacífica e implica sempre uma fase de indecisão até que a nova norma se consolide. Consideram também que é este o fenómeno responsável por muitas indecisões no plural de vários compostos.
Feita esta explicação geral – que mais não pretende do que demonstrar que são infrutíferas lutas acesas pela univocidade linguística em casos em que a língua não está preparada para ser uniforme – analisemos o que se passa com o plural de social-democrata.
Tanto social como democrata podem ser adjectivos, coordenados entre si. Nesse aspecto, a palavra assemelha-se a outras como surdo-mudo – surdos-mudos – surdas-mudas; autor-compositor – autores-compositores – autoras-compositoras, etc. O seu plural deverá ser, é este o ponto de vista que eu defendo, sociais-democratas. A interpretação que no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa se faz é também esta, pois aí se propõe o plural sociais-democratas.
No dicionário Houaiss, porém, consideram-se possíveis as duas formas do plural: sociais-democratas e social-democratas.
Antes de apresentar elementos que, potencialmente, possam explicar a forma social-democratas, chamo a atenção para o facto de, até ao momento, termos apenas analisado compostos em que, no caso de um dos nomes ficar invariável, esse nome é o segundo: navios-escola; palavras-chave, etc. São, além disso, compostos classificados como nomes. Acontece que a primeira classificação que o dicionário nos dá para social-democrata é a de adjectivo! Outras palavras que fazem plural apenas no segundo membro são os adjectivos que designam os habitantes de uma região (ou país), ou a característica de alguém que integra traços de duas culturas: luso-brasileiros; norte-americanos, sul-americanos, sul-africanos, sino-soviéticos, etc.
Edite Estrela e David Pinto Correia, no livro Guia Essencial da Língua Portuguesa para a Comunicação Social, dizem que «Se a palavra é composta por forma reduzida de adjectivos (elemento invariável) e um adjectivo, só este último vai para o plural» (p. 101). Dão como exemplos, entre outros, histórico-geográficos, luso-brasileiros e social-democratas. Passando ao lado da afirmação de que social é uma forma abreviada, o que têm estas três palavras em comum?
Todas assumem o plural apenas no segundo termo.
Todas são adjectivos.
Todas qualificam, localizando: histórico-geográficos, num tempo e num espaço determinado. Luso-brasileiros em duas culturas específicas, e, potencialmente, circunscritas a determinados espaços. Social-democratas numa ideologia política determinada.
Será esta analogia que leva alguns a preferir social-democratas? Talvez! No entanto, se para a designação de habitantes de uma região, ou no caso em que se faz um composto, mais ou menos de circunstância, como histórico-culturais; espácio-temporais, etc., esta regra funciona sempre, ou maioritariamente, o mesmo não acontece com os compostos que designam ideologias, políticas ou outras, pois diz-se sociais-democráticos; democratas-cristãos.
Daí, eu preferir sociais-democratas, consciente, embora, de que tudo está em aberto e de que nenhuma discussão conseguirá fazer nascer a luz, que só virá quando, amadurecida pelo tempo, a palavra se fixar, definitivamente, com uma única forma. Qual será? Não sabemos. Entretanto, se somos livres-escreventes, podemos utilizar a forma que mais nos aprouver. Se somos escreventes comprometidos, ou seja, profissionalmente responsáveis, precisamos de fazer uma opção, de preferência, quando for caso disso, através de uma folha de estilo, ou seguindo a forma mais consensual. E, neste caso, com o apoio dos dicionários, essa forma é sociais-democratas.
[Matéria controversa esta, como se pode ver nos textos Social-democratas e Sociais-democratas, entre outros registados nos Textos Relacionados.]