Não consegui identificar o autor da carta (datada de Carcavelos mas sem remetente) com assinatura para mim de difícil interpretação, em que se revela interessado na «formação do plural de social-democrata». Isso não me impede de lhe agradecer as palavras amabilíssimas que me dirige.
Convém lembrar que social-democrata é mais um galicismo do nosso idioma. Devemo-lo ao francês social-démocrate, por sua vez com origem no alemão Sozial-demokrat, relativo ou pertencente ao Sozialdemokratische Partei Deutschlands, «Partido Social-Democrata da Alemanha». O nosso social-democrata não resulta da junção de dois vocábulos portugueses (social e democrata). É um todo oriundo do francês e adaptado.
Inicialmente, o vocábulo foi tratado tal como chegou até nós: com o plural social-democratas. Surgiu depois a tentativa de «nacionalização», por se julgar tratar-se de formação vernácula, isto é, ligação de social e democrata. Mas se social-democrata se deve globalmente ao francês, por outro lado a primeira das suas partes, se se tratasse de formação portuguesa, seria o elemento social- e nos elementos a invariabilidade é característica, como se prova no exemplo que adiante apresentarei.
Talvez se tenha procurado esclarecer a dúvida em causa recorrendo ao de Rebelo Gonçalves (Coimbra, 1966), onde se apresenta o «Pl.: sociais-democratas». Aquele autor não ponderou as circunstâncias antes apontadas; foi vítima também da semelhança formal entre social adjectivo e social- elemento e talvez ainda de «em francês» se usar o plural sociaux-démocrates. Mas isto é em francês. Em português, nos compostos pelo mesmo processo, sobretudo em adjectivos compostos, no seu plural, o elemento inicial permanente invariável, como, de resto, o recomenda o próprio Rebelo Gonçalves na mesma obra (em afro-brasileiro e anglo-alemão): afro-europeu, greco-romano, ibero-americano, luso-brasileiro, etc. Os seus plurais são afro-europeus, arábico-portugueses, etc. Acrescento mais estes casos: anarco-sindicalista, euro-deputado, médico-cirúrgico, sócio-económico. Todos os primeiros elementos invariáveis nos respectivos plurais.
Se em francês se pode dizer partis sociaux-démocrates e les sociaux-démocrates (ver Robert, Dictionnaire Alphabétique et Analogique de la Langue Française, VI, p.458 b, onde se refere à existência em francês dos elementos social- e socialo-), isso é questão com que nada temos. Recebemos o vocábulo (neste caso um vocábulo composto) e temos de o adaptar às nossas regras. Os emigrantes menos letrados sabem disso, daí dizerem as vacanças (não as vacances, com a terminação portuguesa para o feminino).
Do francês social-démocrate, adaptação que, regularmente, tem de funcionar com elemento inicial invariável, por isso o seu plural deve ser social-democratas. Daí os que seguem esse ideal são os social-democratas e não sociais-democratas por imitação do francês.
N.E. – Com a entrada em vigor do Acordo Ortográfico de 1990, e conforme a sua Base XV (Do hifen em compostos, locuções e encadeamentos vocabulares), apenas se fixaram ainda melhor as regras acima expostas. Entretanto, sobre esta controvérsia do plural de social-democrata, cf. O plural de social-democrata + Ainda e (quase sempre) social-democratas/sociais-democratas? + Ainda sobre o plural de social-democrata.