A propósito da resposta "Língua universal, língua mundial, língua franca", com a data de 14 de abril de 2023, permito-me discordar da designação do inglês como língua universal, mundial ou franca. Guardado o devido respeito, considero que foi um esclarecimento simplistamente dado em "visão-túnel".
Pelo que tenho aprendido, não há língua universal alguma como realidade de Direito, mesmo tendo em conta os argumentos da consultora respondente. O que há é uma língua que, só tendencialmente (quando muito, efetivamente só em termos de adesão ou uso maioritário) e só no plano de facto, se pode dizer língua universal: o inglês – desde o fim da II Grande Guerra, precedido nesse papel pelo francês e este precedido pelo latim (numa ótica clássica de Ocidente).
Mesmo no mundo das línguas e projetos de línguas planeadas como universais (mais de mil) – protagonizado atualmente pelo Esperanto (recomendado pela UNESCO aos seus Estados-membros por duas deliberações ao longo de décadas e designado por Umberto Eco como a «língua ótima», em entrevista subsequente à publicação do seu livro "À Procura da Língua Perfeita”) – não há línguas universais de Direito. Razão: nenhuma está ou foi reconhecida oficialmente como língua de todo o planeta. Se alguma vez uma língua étnica ou planeada vier a ser reconhecida pela ONU ou outro organismo equivalente que a substitua como língua segunda após o idioma nacional respetivo (ou, indesejadamente, como primeira língua ou, pior ainda, como língua única), talvez se possa então falar de uma língua veicular universal reconhecida como tal a nível global. Logo, língua veicular mundial de Direito.
Entre o muito que merece registo a favor da mundialidade veicular do Esperanto, que se assume desde a sua criação como língua segunda (depois da língua materna ou parental) para as relações internacionais, o Correio da UNESCO, que, até 2017, vinha sendo publicado em inglês, espanhol, francês, russo, chinês e árabe, passou então a ser também em esperanto e em português.
Há não raros analistas, do campo da sociolinguística e da politologia linguística, que acreditam num plano guardado de remissa pela China (o país com o maior número de falantes de esperanto no mundo, com o maior número de universidades onde o esperanto é lecionado e com o maior montante de subsídios para associações, clubes e atividades do Esperanto) para, oportunamente, fazer divulgar o esperanto como língua de comunicação mundial.
Curiosamente, o mandarim, lexicologicamente, não tem parecenças com o esperanto, ao passo que as línguas latinas ou românicas (mais de dez), da família indoeuropeia, entre as quais o Português, são as mais parecidas, lexicologicamente com o esperanto, no mosaico das cerca de 7000 línguas étnicas do planeta. Com a particularidade de o Brasil ser o país do mundo onde o esperanto percentualmente mais é falado e ensinado a todos os níveis.
Linguistas há, ao que me foi dado constatar dentro e fora do 89.º Congresso Universal de Esperanto realizado em Pequim, que reconhecem que o Mandarim, língua de ideogramas e subtilíssimas nuances fonéticas, não reúne condições para, um dia, vir a substituir o inglês como língua principal veicular; por causa, precisamente, dessas nuances, para as quais, comparativamente, não estão preparados os países com línguas de alfabetos. É que os falantes do mandarim e das suas variantes dialéticas, de iguais ideogramas, cultivam há milénios, desde a primeira infância, a capacidade do aparelho fonador e do aparelho auditivo treinada para pronunciar e ouvir essas nuances com acuidade e precisão extremas, capacidade que, por falta de “imersão total”, pregressamente oportuna, não é detida pelos falantes de línguas de alfabetos.
Cf. Declaração Universal dos Direitos Linguísticos + Que ordem linguística para a nova União Europeia? o "Brexit" e as alternativas em aberto + Toda a língua já foi segunda língua
N.E. - Sobre este tema, vide a réplica «Qual o estatuto do inglês nos dias de hoje?», da autoria de Inês Gama, a que se seguiu "Um mundo anglofonizado", do autor do presente texto.