O 100.º Congresso Universal de Esperanto ocorreu na cidade francesa de Lille, entre o dia 25 de Julho e o dia 1 de Agosto de 2015, sob o tema “Línguas, artes e valores no diálogo entre culturas”.
A escolha desta cidade foi determinada pelo facto de o 1.º Congresso Universal ter ocorrido na cidade próxima de Boulogne-sur-mer, no ano de 1905 (os dez anos de omissão correspondem aos anos das duas Guerras Mundiais). Porque a cidade de Boulogne-sur-mer não tem um centro de congressos com capacidade para receber milhares de congressistas (no caso, cerca de 3000 de mais de 100 nacionalidades), foi escolhida para este jubileu a cidade próxima de Lille.
O Congresso Universal de Esperanto é, em muitos aspectos, um congresso internacional muito especial. A sua principal especificidade está no facto de nenhuma língua étnica (Inglês, inclusive) ser nele admitida como língua veicular. A língua veicular é o Esperanto, que se coloca na posição de última língua em relação a todas as línguas étnicas do planeta.
Do primeiro ao último momento, o Congresso é um mega-evento cosmopolita multifacetado, qual caleidoscópio cultural em contínuo movimento. Componentes programáticos gerais são a inauguração solene, a feira multinacional da esperantofonia (exposição simultânea das culturas nacionais, atividades associativas, movimentos ideológicos, folclore, turismo, comércio, etc.), o serviço livreiro permanente (compra de livros e lançamento de livros novos), o espectáculo cénico nacional, o espectáculo cénico internacional, os espectáculos cénicos abertos em átrio, o banquete, o baile e a cerimónia de encerramento (neste ano de jubileu, também a visita à cidade de Boulogne-sur-mer). Uma das novidades literárias deste ano foi a versão em Esperanto de "O guardador de rebanhos" (Fernando Pessoa sob o heterónimo Alberto Caeiro), feita pelo poeta e escritor esperantófono português Gonçalo Neves, consagrado como um dos poetas e prosadores mais premiados em concursos literários do mundo esperantófono (originais e traduções).
Presidiu à inauguração solene o presidente da Associação Universal de Esperanto, Prof. Dr. Mark Fettes, neozelandês com cátedra no Canadá. Segundo a tradição, são referidas as saudações de chefes de Estado (v.g., Rainha Elisabeth II, da Grã-Bretanha), Papa, cientistas e escritores eminentes, reitores de Universidades onde é lecionado o Esperanto e a Esperantologia, etc.
O primeiro problema metodológico de cada congressista, após conhecer o programa geral do Congresso, é fixar o seu programa pessoal, constituído pelos componentes programáticos gerais e também por componentes programáticos especiais dependentes do gosto, critério e responsabilidades do próprio congressista dentro do Congresso. Isso significa, quase sempre, sacrificar componentes programáticos especiais.
Ópera, teatro, vinhos, conferências...
No meu caso, não fugi à regra. Este ano, tive de sacrificar a missa ecuménica dominical (cocelebrada por pastores de diversas religiões cristãs, entre os quais, não raramente, um bispo ou cardeal católico), alguns concertos, atuações de cantores (inclusive de ópera) e corais e de grupos de dança folclórica e clássica, representações teatrais, conferências e palestras-colóquios (de catedráticos e cientistas de renome), o leilão anual de livros antigos de esperanto, um seminário sobre vinhos franceses, a conferência de esperantologia, a sessão de perguntas e respostas da Academia de Esperanto e outros componentes programáticos especiais. Mesmo assim, fiquei contente por ter conseguido salvar, entre o mais, a conferência sobre "a língua hitita, vista como filha ou irmã da pré-indoeuropeia” (Cyril Brosch), a conferência sobre “a teoria da relatividade, os buracos negros, a teoria quântica e o universo em expansão acelerada” (Amri Wandel), a conferência sobre “inteligência artificial – para onde vai; problemas éticos em aberto” (Federico Gobbo) e a representação do monodrama “Úrsula” (biografia de uma criança alemã, catalogada pelo regime nazi como de raça ariana pura, martirizada com a discriminação antijudaica e com os horrores da guerra na própria Alemanha).
Consegui não perder as reuniões da EJA (Associação Internacional de Juristas Esperantófonos), da IKEF (associação de economistas e homens de negócios) e da IKEL (associação de liberdades étnicas).
Segundo o jornal diário do Congresso, a única associação que teve eleições de corpos sociais no âmbito do Congresso foi a EJA.
Em 28 de julho teve lugar no seio desta uma palestra-colóquio e uma assembleia geral. Foi distribuída pelos sócios presentes a revista jurídica esperantófona “Tribuna jurídica internacional”. A palestra, proferida pela magistrada búlgara Antoaneta Nikolaeva, incidiu sobre a nova reforma judiciária na Bulgária, tendo intervindo no subsequente colóquio juristas de diversos continentes. Para a nova Direção, foi eleito como presidente o advogado português/angolano Miguel Faria de Bastos, mantendo-se na Direção como secretária a anterior presidente, Prof.ª Drª Rafaela Urueᾗa, de Espanha, e saindo o Prof. Dr. Ivo Osibov, da Croácia. A nova Direção ficou constituída por juristas de nacionalidades portuguesa, espanhola, búlgara, polaca e inglesa.
O dia 29 de julho foi dedicado à visita à cidade-berço do Congresso Universal. O presidente do município de Boulogne-sur-mer deu uma receção-coquetel em que, entre o mais, lembrou o papel ridículo do ministro francês da Educação que em 1905 se indignou ruidosamente contra o atrevimento de ser feito em solo francês um Congresso duma língua “artificial” que se propunha retirar ao Francês o papel de língua veicular mundial. Em frente à estação ferroviária por onde chegaram em 1905 os congressistas (inscritos 688, de mais de 15 países, alguns impossibilitados de comparecer por problemas de vistos e de distância), foi descerrada uma estátua do fundador Ludovico Zamenhof. Foi criado, por iniciativa do município, um Centro de Esperantologia e História do Esperanto.
Antes e depois do Congresso Universal, foram efetuadas excursões de 4 a 6 dias, em França e países vizinhos, com cicerones esperantófonos.
Na saudação que fiz ao Congresso na cerimónia inaugural, lembrei que, pela primeira vez, estavam presentes e saudavam um Congresso Universal congressistas de quatro países lusófonos – Portugal. Brasil, Angola e Timor Leste – e augurei que o Congresso Universal de Esperanto no ano de 2018 viesse a ocorrer em Lisboa (o Congresso de 2016 está marcado para Nitra, na Eslováquia, e o de 2017 está marcado para Seúl, Coreia).