Antologia - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
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Textos de autores lusófonos sobre a língua portuguesa, de diferentes épocas.

Machado de Assis queria que a Academia servisse sobretudo para «conservar no meio da federação política a unidade literária». Ninguém serviu melhor a esse ideal do que Araripe Junior.

Devemos atentar nisto com o maior cuidado. A federação política está feita, embora ande por aí adulterado e claudicando o pensamento constitucional que marcou no Brasil essa forma de vida, que os espíritos mais adiantados do Império, nos últimos tempos deste, já namoravam, desiludidos de corrigir a atrofia...

O estudo científico, ou a filologia moderna, tem revelado novos aspectos gerais, que podem ser adaptados ao nosso vernáculo. Nem sempre o que foi dito pelos clássicos é absolutamente puro; e podemos opor-lhes o nosso critério para o que for consentâneo e justo à inteligência da linguagem. Quer no aspecto etimológico, sintáctico, ou semântico, as modificações hão-de surgir naturalmente no conceito dos povos acerca dos factos idiomáticos.

A linguagem de Camilo não é tanto a língua portuguesa genuína e opulentada de todos os vocábulos que uma retentiva paciente é capaz de ir colher aos vernaculismos do povo e das bibliotecas, como o instrumento vivo e acirrante dum espírito de artista que, por profundo e multíplice, houve mester, como os órgãos das catedrais, de exprimir por tubos de cobre a potência orquestral da sua voz.

Língua remendada
«Pelo pouco que lhe que [os] seus naturais»

« Para falar, [a linguas portuguesa] é engraçada, com um modo senhoril; para cantar, é suave, com um certo sentimento que favorece a música; para pregar , é substanciosa, com uma gravidade que autoriza as razões e as sentenças; para escrever cartas, nem tem infinita cópia que dane, nem brevidade estéril que a limite; para histórias, nem é tão florida que se derrame, nem tão seca que busque o favor das alheias», escreve  Franciso Rodrigues Lobo (1580 — 1621) neste extrato da obra Corte na Aldeia, em louvor do idioma nacional e contra «o pouco que lhe querem [os] seu naturais, a trazerem mais remendada que capa de pedinte» 

A linguagem tem qualidades que devemos cultivar e defeitos que é forçoso evitar. Entre as qualidades avultam a pureza, correcção, clareza, eufonia, precisão, propriedade, harmonia, conveniência, dignidade e ordem.

Por pureza entende-se a conformidade da linguagem com a índole da língua. Nesse sentido, necessário se torna que usemos apenas palavras da própria língua e autorizadas pelo uso dos que bem a falam, e procuremos que as frases e orações sejam construídas de harmoni...

D. João I e a independência do Português
O "ar de família" com o castelhano e... nada mais

«[Foi] D. João I, o eleito do povo e o mais nacional de todos os reis [portugueses], [que] deu ao idioma pátrio valente impulso, mandando usar dele em todos os actos e instrumentos públicos, que até então se faziam em latim», recorda Almeida Garrett neste apontamento, transcrito da antologia Paladinos da Linguagem, (1.º vol., Aillaud e Bertrand, Lisboa, 1921).

A prática é, em qualquer ciência, um elemento importantíssimo, mas insuficiente. A prática implica tacteamento, indecisão: é empirismo. Deve ser completada com a teoria; ou esta deve ser aperfeiçoada com a prática.

Tal é o caso da Gramática e da Língua: a Gramática é a teoria, a Língua é a prática. Uma e outra são inseparáveis.

Uma língua falada em vasta superfície geográfica não pode ter uniformidade perfeita. De região para região se apresentam divergências de vária espécie, entre as quais sobrelevam as de carácter fonético, e as que resultam do vocabulário local. Concretamente, não há uma língua, e sim vários dialectos.

Uma língua, considerada no conjunto das suas palavras, pode, segundo o espírito que sobre ela e com ela trabalha, apresentar-se-nos sob dois aspectos - que definirei por meio de uma comparação. Ou é, através de páginas frias, uma coisa descolorida e pálida como um herbário, onde se dispõem plantas mortas, secas e sem perfume; ou estremece e canta como um prado onde o sol bate verdejantes, pletóricos vegetais, escorrendo seiva.


Para que eu te traduza a majestade rude,
Mas de uma forma tal, precisa e manifesta,
Que demonstre o poder da tua juventude,
A que hei-de exactamente igualar-te, ó floresta?
Só posso comparar-te à língua portuguesa:
Porque ela é que possui os tesouros da tua
Basta, e brava, e brutal, e bárbara beleza,
Que a língua mãe, na terra virgem, perpetua!