Antologia - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Início Outros Antologia
Textos de autores lusófonos sobre a língua portuguesa, de diferentes épocas.
Discurso sobre o fulgor da língua
De Portugal às suas ex-colónia africanas

 «Segundo Agostinho da Silva — escreve neste conto* o escritor angolano José Eduardo Agualusa as línguas afeiçoam-se às geografias que colonizam. Num horizonte amplo, desafogado, o sotaque é mais aberto, e numa paisagem fechada ele tende a fechar-se. Assim, no Brasil, em Angola ou em Moçambique as pessoas falam a nossa língua abrindo mais as vogais, e nos Açores, na Madeira, em Portugal continental, mas também em Cabo Verde, fecham-nas. As línguas afeiçoam-se às geografias que colonizam. Num horizonte amplo, desafogado, o sotaque é mais aberto, e numa paisagem fechada ele tende a fechar-se. Assim, no Brasil, em Angola ou em Moçambique as pessoas falam a nossa língua abrindo mais as vogais, e nos Açores, na Madeira, em Portugal continental, mas também em Cabo Verde, fecham-nas.»

* conto inserto no livro do autor Catálogo de Sombras.

A chama plural
Sonho e simulacro da unidade da língua

«Não se pode dizer de língua alguma que ela é uma invenção do povo que a fala. O contrário seria mais exacto. É ela que nos inventa. A língua portuguesa é menos a língua que os portugueses falam, que a voz que fala os portugueses. Enquanto realidade presente ela é ao mesmo tempo histórica, contingente, herdada, em permanente transformação e trans-histórica, praticamente intemporal. Se a escutássemos bem ouviríamos nela os rumores originais da longínqua fonte sânscrita, os mais próximos da Grécia e os familiares de Roma.»

Artigo de Eduardo Lourenço (1923-2020) escrito em Vence, em 11 de Fevereiro de 1992, para o Atlas da Língua Portuguesa na História e no Mundo (coord. por António Luís Ferronha, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda/Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses/União Latina, pp. 12/13). Posteriormente incluído no livro A Nau de Ícaro seguido de Imagem e Miragem da Lusofonia (2.ª ed. Lisboa, Gradiva,1999, pp. 121-124) e nas Obras Completas Volume IV – Tempo Brasileiro: Fascínio e Miragem (Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2018).

O céu
É uma m´benga
Onde todos os braços das mamanas
Repisam os bagos de estrelas.

Amigos:
As palavras mesmo estranhas
Se têm música verdadeira
só precisam de quem as toque
ao mesmo ritmo para serem
todas irmãs. (...)

Uma língua que não se defende, morre

Texto escrito especialmente para o Ciberdúvidas pelo Prémio Nobel da Literatura José Saramago (1922-2010), depois da sua interrupção, em 2002,  na sequência do contributos do angolano Pepetela, do cabo-verdiano Germano Almeida e  do moçambicano Mia Couto .

Segundo o ensaísta António Feliciano de Castilho, é na sintaxe que se encerra o «génio» da língua. As leis que comandam as conexões entre as formas elementares do idioma são, não apenas de difícil revogação, senão mesmo garantia de estabilidade das marcas distintivas do mesmo. É, porém, no prolongamento desta coesão sintáctica que se estende um domínio ainda mais individualizante, e por isso exactamente de maior melindre. Denomina-o Castilho, com outros autores, umas vezes «construção», outra...

Com as novas técnicas de fertilização, certas palavras passaram ao plural. Exemplos

«Já se disse tudo, mas como ninguém ouve, é sempre necessário recomeçar.» Esta frase de André Gide costumava abrir uma das secções da Critério, publicação relativamente periódica que saiu entre Novembro de 1975 e Novembro de 1976. Ao todo foram oito números: os primeiros seis dirigidos por João Palma-Ferreira e Alexandre O'Neill, escritores que nos andam a fazer falta (contentemo-nos co...


1.
Apetece dizer uma palavra misteriosa
apetece dizer uma palavra
pode ser a incognoscível palavra rosa
ou a terrível palavra abracadabra
apetece dizer uma palavra lavra lavra.
Pode ser a palavra pa
pode ser a palavra pala
pode ser
pode ser apenas a palavra


2.
Belveder Elsenor Abdelkader
Pedra que grita olho que fita
apetece morrer apetece viver apetece escrever
a palavra esquisita
a finita infinita palavra ser.

Os jornais multiplicam-se em opiniões sobre a degradação da língua.

Uma nação a cair – e a nação portuguesa sem um Estado digno do nome dificilmente evita uma crise grave – inclui uma língua a degradar-se. A ordem dos factores é essa.

Seguindo a França, Portugal pretendeu ser também feito de palavras. São estas que estão a perder-se, a perder o rigor, tal como acontece aos portugueses.

Machado de Assis queria que a Academia servisse sobretudo para «conservar no meio da federação política a unidade literária». Ninguém serviu melhor a esse ideal do que Araripe Junior.

Devemos atentar nisto com o maior cuidado. A federação política está feita, embora ande por aí adulterado e claudicando o pensamento constitucional que marcou no Brasil essa forma de vida, que os espíritos mais adiantados do Império, nos últimos tempos deste, já namoravam, desiludidos de corrigir a atrofia...

O estudo científico, ou a filologia moderna, tem revelado novos aspectos gerais, que podem ser adaptados ao nosso vernáculo. Nem sempre o que foi dito pelos clássicos é absolutamente puro; e podemos opor-lhes o nosso critério para o que for consentâneo e justo à inteligência da linguagem. Quer no aspecto etimológico, sintáctico, ou semântico, as modificações hão-de surgir naturalmente no conceito dos povos acerca dos factos idiomáticos.