Antologia - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Início Outros Antologia
Textos de autores lusófonos sobre a língua portuguesa, de diferentes épocas.
As palavras
Léxico

«A palavra não responde nem pergunta: amassa. A palavra é a erva fresca e verde que cobre os dentes do pântano. A palavra é poeira nos olhos e olhos furados. A palavra não mostra. A palavra disfarça.»

José Saramago (1922 — 2010) publicou esta crónica dos seus tempos de jornalista no vespertino A Capital, em livro lançado, em 1971, sob a chancela da Editorial Arcádia.

Esta nossa língua portuguesa está a reclamar os seus panegiristas, galhardos paladinos que a defendam e enalteçam, de tal maneira deve andar envergonhada do desprezo com que tantos a maltratam, e bem saudosa do vivo amor que tantos lhe sagraram. O autor da «Côrte na Aldeia» já clamava com mágoa, quando tecia encómios à sua amada língua: «Para que diga tudo, só um mal tem, e é que, pelo pouco que lhe querem seus naturais, a trazem mais remendada que capa de pedintes.» Que faria se ele a...


Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namor...

Muita gente já não acredita que existam pássaros, a não ser em gravuras ou empalhados nos museus – o que é perfeitamente natural, dado o novo aspecto da terra, que, em lugar de árvores, produz com mais abundância blocos de cimento armado. Mas ainda há pássaros, sim. Existem tantos, em redor da minha casa, que até agora não tive (nem creio que venha a ter) tempo de saber seus nomes, conhecer suas cores, entender sua linguagem. Porque evidentemente os pássaros falam. Há muitos, muitos anos, no ...

É impossível fixar a data do aparecimento do idioma de que hoje nos servimos e tem sido instrumento de uma brilhante literatura; tão pouco se pode determinar a época precisa em que os sons do latim popular se transformaram nos portugueses que lhes correspondem; essa transformação não surgiu de repente, mas foi-se operando lentamente. Como qualquer ser vivo que, antes de atingir a forma que o distingue dos outros, passa por fases diversas, que lhe vão alterando as feições, as línguas, antes de...

Os nossos clássicos escreviam com lenteza, e com vagar é que compunham. Não podem, pois, ser devorados de um trago, como os livros de hoje, improvisados num laço.

Aquilo que com vagar se compôs, durante anos se castigou e poliu, do esboço à derradeira mão, guarda sempre coisas e ideias subentendidas, elipses e segredos mentais, e rascunhos de palimpsestos, sentimentos inescritos, outrora claros e hoje invisíveis, que é mester subentendidos, aclarados, decifrados, ressuscitados, enfim, n...

A principal questão, ao fundar-se a Academia de Letras brasileira, é se vamos tender à unidade literária com Portugal. Julguei sempre estéril a tentativa de criarmos uma literatura sobre as tradições de raças que não tiveram nenhuma; sempre pensei que a literatura brasileira tinha que sair principalmente do nosso fundo europeu. Julgo outra utopia pensarmos em que nos havemos de desenvolver literariamente no mesmo sentido que Portugal, ou conjuntamente com ele, em tudo que não depende do génio...

Este trecho é tirado do "Diálogo em defensão da língua portuguesa", e reproduz uma fala da personagem Petrónio, em resposta a Falêncio, que dizia ser a língua castelhana mais suave e bem-soante que a portuguesa, e tanto, que muitos Portugueses escreviam em castelhano.

A excelência da língua portuguesa é tal, que pode com muita justiça competir com a do seu engenho...

Uma das razões por que é hoje a nossa língua portuguesa estimada por a mais excelente que as outras todas, é porque, sendo só (ela) capaz deste benefício, que não é a mais pequena excelência que nela noto, encorporou em si a graça da pronunciação e dos melhores vocábulos das outras, fazendo-se entre todas um ramalhete composto de diversas flores.

Eu tenho em muito a (língua) portuguesa, cuja gravidade, graça lacónica e autorizada pronunciação nada deve (1) à latina, que vo-la exalça mais que seu império… Por isso eu quero raivar com os seus naturais, que a taxam difamando-a de pobre, e não lhe consentindo alfaiar-se do alheio, como que (2) o principal cabedal das copiosas não seja o mais dele emprestado; e a portuguesa, com o seu, é tão rica, que lhe achareis alfaias ricas, de que as outras carecem...