DÚVIDAS

Pronomes átonos: «Passeiam... a te buscar-te a ti» (Vinicius de Morais)

Assim é a primeira estrofe do poema "O Mergulhador", do poeta brasileiro Vinicius de Moraes:

«Como, dentro do mar, libérrimos, os polvos
No líquido luar tateiam a coisa a vir
Assim, dentro do ar, meus lentos dedos loucos
Passeiam no teu corpo a te buscar-te a ti.»

Para além do efeito poético que a prodigalidade dos pronomes oblíquos proporciona, que relações gramaticais poderiam ser identificadas nesse emaranhado deles?

Já me deparei com pronomes oblíquos tônicos sucedidos por átonos, mas sempre atribuí a um pleonasmo são. Em tais casos, porém, não me oriento bem.

Resposta

No caso em apreço, todos os pronomes pessoais de segunda pessoa desempenham a mesma função sintática: a função de complemento direto.

As formas diferentes que os pronomes apresentam resultam de uma exploração das suas possibilidades de colocação na frase, o que contribui para o aparecimento do pleonasmo e de uma certa musicalidade associada à aliteração1.

Assim, a forme te surge em posição proclítica (antes do verbo). Esta é uma colocação típica da linguagem coloquial na variante brasileira do português. A mesma forma te surge em posição enclítica (depois do verbo), uma colocação típica da variante europeia do português. Por fim, a forma preposicionada «a ti» constitui um caso de redobro do pronome clítico. Trata-se de uma construção de reforço introduzida pela preposição a que desempenha a mesma função do pronome que repete. Por essa razão, o sintagma «a ti» desempenha também a função de complemento indireto.

Disponha sempre!

 

1. Note-se, porém, que, numa perspetiva normativa, o uso do pronome aqui apresentado é redundante, pelo que não se recomenda. 

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