DÚVIDAS

«Não me toque em mim» + «morre-se de tristeza»

Sempre ouvi desde pequeno que a frases «Não me toque em mim» está errada e que o certo ou é «Não me toque» ou «Não toque em mim», mas há pouco, estudando mais da nossa bela língua, me surgiu uma dúvida.

Napoleão Mendes de Almeida [na Gramática Metódica da Língua Português] fala de «reflexibilidade atenuada de ação» — algo assim, se não me engano — e usa como exemplo a frase «Ele se morre de tristeza».

Gostaria de saber se é a mesma coisa.

Resposta

Relativamente à primeira parte da questão colocada, é importante saber que, neste caso, o verbo tocar é usado como transitivo indireto, ou seja, pede um complemento oblíquo (ou complemento relativo), regendo a preposição em, como em (1):

(1) «Ele tocou no livro.» (no = em + o)

A natureza do complemento oblíquo (complemento relativo) pode, todavia, determinar construções particulares. Como explicam Gonçalves e Raposo, «quando este complemento denota uma entidade humana, pode ser realizado por um pronome clítico dativo, o que o torna semelhante a um complemento indireto» (In Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 1183).

Assim sendo, no que respeita às frases apresentadas, a construção típica é a que se apresenta em (2).

(2) «Não me toque.»

Não obstante, o sintagma preposicional pode ser substituído pelo pronome clítico me, como se observa em (3):

(3) «Não toque em mim.»1

Relativamente à construção apresentada em (4), poderemos considerá-la um caso de redobro do clítico, construção que, não sendo incorreta, é, neste caso, muito redundante:

(4) «Não me toque em mim.»

Relativamente à questão da reflexibilidade, Napoleão Mendes de Almeida explica que esta «faz com que o sujeito se torne, ao mesmo tempo, agente e recipiente da ação verbal» (Gramática Metódica da Língua Português. Editora Saraiva, p. 214). Ora, se analisarmos as frases apresentadas pelo consulente, verificamos que nelas o sujeito e o complemento são entidades distintas, pelo que não poderemos falar de um caso de reflexibilidade.

Disponha sempre!

 

1. Note-se ainda que quando se trata de um complemento não animado, este é habitualmente substituído pelo pronome isso preposicionado ((1a) «Ele tocou nisso.»). Não obstante, a falantes que admitem o uso do clítico lhe nestas situações ((1b) «Ele tocou-lhe.») Cf. Raposo et al., ibidem.

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