A descrição que as gramáticas fazem da concatenação temporal, ou consecutio temporum, é muito mais restritiva do que o uso demonstra. As frases em apreço estão correctas, embora a sua ocorrência nem sempre venha descrita nas gramáticas. O que, creio, justifica a diferença do tempo verbal utilizado é a acção discursiva, o contexto enunciativo, ou seja, o distanciamento que o emissor, ou produtor do discurso, expressa em relação à situação a que se reporta. Numa frase em que, na oração subordinada completiva, o verbo ocorra no pretérito perfeito do conjuntivo, como, por exemplo, em 1, poderemos imaginar o emissor na festa, a comentar com um outro conviva. Uma frase destas é sentida pelo receptor como mais próxima do que outra em que o verbo surja no pretérito mais-que-perfeito do conjuntivo (2). Por outro lado, no caso concreto do verbo surpreender, o verbo da oração subordinante pode ocorrer no pretérito imperfeito sem alterar a factividade da subordinada:
2) «Que a Maria não tivesse vindo à festa, surpreendeu o João.»
3) «Que a Maria não tivesse vindo à festa, surpreendia o João.»
Com os verbos factivos em análise, o tempo da subordinada pode variar, desde que a oração subordinante contenha o verbo no pretérito perfeito do indicativo.
5) «Detestei que te tenhas/tivesses vestido assim.»
6) «Lamentei que me tenham/tivessem dado a resposta negativa.»
7) «Gostei que ele me tenha/tivesse vindo visitar.»
Se esse verbo estiver no pretérito imperfeito, acontecem duas coisas:
a) Por um lado, o verbo da subordinada tem de estar – aqui, sim – obrigatoriamente, no pretérito mais-que-perfeito.
b) Por outro lado, os verbos parecem perder a sua factividade, uma vez que a mensagem veiculada pela subordinada não é verdadeira, ou, melhor, reporta-se a uma possibilidade que não ocorreu.
9) «Detestava que te tivesses vestido assim» (mas não te vestiste)
10) «Lamentava que me tivessem dado a resposta negativa» (mas não deram)
11) «Gostava que ele me tivesse vindo visitar» (mas não veio)
O que acontece com os verbos não factivos que indica é um pouco diferente. Antes de mais, gramaticalmente, aqui o uso do pretérito mais-que-perfeito é obrigatório na subordinada, independentemente de a subordinante estar no pretérito perfeito ou no pretérito imperfeito:
13) «Supus que to tivesse dito» (talvez tenha dito, talvez não)
14) «Esperava que to tivesse dado» (mas não deu)
15) «Supunha que to tivesse dito» (mas não disse)
O sentido, esse varia um pouco, como se depreende a partir das notas entre parênteses.
Para complementar o seu estudo, sugiro-lhe a leitura de alguns artigos cuja interpretação nem sempre é coincidente:
Afrânio da Silva Garcia, Uma tipologia semântica do verbo no português
Bernardo Morales Ascencio, Las Lógicas no Clásicas y el Estudio de la Modalidad
Rui Marques Sobre a selecção de modo em orações completivas, in Actas do XII Encontro da Associação Portuguesa de Linguística
Bom trabalho!