DÚVIDAS

O uso do pretérito perfeito do conjuntivo

Tenho dúvidas acerca do uso do pretérito perfeito do conjuntivo.

Encontrei, na Gramática da Língua Portuguesa, (M. H. M. Mateus et al., 2003), Capítulo XV (Inês Duarte) — Subordinação completiva, pág. 609 (cp. 15.1.3) e 606 (cap. 15.1.1.), as seguintes frases:

«Que a Maria não tenha vindo a festa, surpreendeu o João.»

«O Conselho lamentou que não lhe tenha sido comunicada a decisão.»

Pensava que nas subordinadas completivas finitas, neste caso (quando a oração principal se encontra no pretérito perfeito), seria apropriado e gramatical usar o mais que perfeito do conjuntivo:

«Que a Maria não tivesse vindo a festa, surpreendeu o João.»

«O Conselho lamentou que não lhe tivesse sido comunicada a decisão.»

Pedia-vos para me confirmarem a gramaticalidade das frases encontradas na GLP nos subcapítulos em apreço. Caso estejam correctas, a minha pergunta é:

Posso, então, utilizar o pretérito perfeito do conjuntivo nas completivas finitas seleccionadas por todos os verbos psicológicos, ou só por aqueles que são denominados "factivos" e que pressupõem a verdade do complemento frásico (achar bem, detestar, gostar, lamentar)? Neste caso, seriam gramaticais as seguintes frases?

«Achei (achava) bem que lhe tenhas dito a verdade.»

«Detestei (detestava) que te tenhas vestido assim.»

«Lamentei (lamentava) que me tenham dado a resposta negativa.»

«Gostei (gostava) que ele me tenha vindo visitar.»

Verbos psicológicos não factivos:

«Esperava que to tenha dado.»

«Supunha que to tenha dito.»

Obrigada.

 

Resposta

A descrição que as gramáticas fazem da concatenação temporal, ou consecutio temporum, é muito mais restritiva do que o uso demonstra. As frases em apreço estão correctas, embora a sua ocorrência nem sempre venha descrita nas gramáticas. O que, creio, justifica a diferença do tempo verbal utilizado é a acção discursiva, o contexto enunciativo, ou seja, o distanciamento que o emissor, ou produtor do discurso, expressa em relação à situação a que se reporta. Numa frase em que, na oração subordinada completiva, o verbo ocorra no pretérito perfeito do conjuntivo, como, por exemplo, em 1, poderemos imaginar o emissor na festa, a comentar com um outro conviva. Uma frase destas é sentida pelo receptor como mais próxima do que outra em que o verbo surja no pretérito mais-que-perfeito do conjuntivo (2). Por outro lado, no caso concreto do verbo surpreender, o verbo da oração subordinante pode ocorrer no pretérito imperfeito sem alterar a factividade da subordinada:

1) «Que a Maria não tenha vindo à festa, surpreendeu o João.»
2) «Que a Maria não tivesse vindo à festa, surpreendeu o João.»
3) «Que a Maria não tivesse vindo à festa, surpreendia o João.»


Com os verbos factivos em análise, o tempo da subordinada pode variar, desde que a oração subordinante contenha o verbo no pretérito perfeito do indicativo.

4) «Achei bem que lhe tenhas/tivesses dito a verdade.»
5) «Detestei que te tenhas/tivesses vestido assim.»
6) «Lamentei que me tenham/tivessem dado a resposta negativa.»
7) «Gostei que ele me tenha/tivesse vindo visitar.»


Se esse verbo estiver no pretérito imperfeito, acontecem duas coisas:

a) Por um lado, o verbo da subordinada tem de estar – aqui, sim – obrigatoriamente, no pretérito mais-que-perfeito.

b) Por outro lado, os verbos parecem perder a sua factividade, uma vez que a mensagem veiculada pela subordinada não é verdadeira, ou, melhor, reporta-se a uma possibilidade que não ocorreu.

8) «Achava bem que lhe tivesses dito a verdade» (mas não disseste)
9) «Detestava que te tivesses vestido assim» (mas não te vestiste)
10) «Lamentava que me tivessem dado a resposta negativa» (mas não deram)
11) «Gostava que ele me tivesse vindo visitar» (mas não veio)


O que acontece com os verbos não factivos que indica é um pouco diferente. Antes de mais, gramaticalmente, aqui o uso do pretérito mais-que-perfeito é obrigatório na subordinada, independentemente de a subordinante estar no pretérito perfeito ou no pretérito imperfeito:

12) «Esperei que to tivesse dado» (e deu)
13) «Supus que to tivesse dito» (talvez tenha dito, talvez não)
14) «Esperava que to tivesse dado» (mas não deu)
15) «Supunha que to tivesse dito» (mas não disse)


O sentido, esse varia um pouco, como se depreende a partir das notas entre parênteses.

Para complementar o seu estudo, sugiro-lhe a leitura de alguns artigos cuja interpretação nem sempre é coincidente:

Afrânio da Silva Garcia, Uma tipologia semântica do verbo no português

 

Bernardo Morales Ascencio, Las Lógicas no Clásicas y el Estudio de la Modalidad

 

Rui Marques Sobre a selecção de modo em orações completivas, in Actas do XII Encontro da Associação Portuguesa de Linguística

Bom trabalho!

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