DÚVIDAS

A correlação de tempos verbais na frase
«Duvido que o Zé fosse capaz disso»

Encontrei a frase «Duvido que o Zé fosse capaz de fazer uma coisa dessas» nas soluções dum livro de exercícios de Português para estrangeiros.

Embora as regras da consecutio temporum indiquem que a subordinada deveria levar o conjuntivo presente «Duvido que o Zé seja capaz de fazer uma coisa dessas», ao mesmo tempo, parece-me correta a utilização do imperfeito, com o fim de atribuir à oração uma perspetiva presente de um momento no passado: duvido (agora) que o Zé fosse capaz (no passado)...

Por outro lado, poderíamos utilizar o pretérito-mais-que-perfeito do conjuntivo: «Duvido que o Zé tenha sido capaz de fazer uma coisa dessas»?

Muito obrigada pela ajuda.

Resposta

 

Embora a consecutio temporum, ou seja, a correlação temporal, assente nalguma rigidez na combinação dos tempos verbais, o que é verdade é que os usos mostram uma realidade diferente, que aponta para a possibilidade de diversidade de combinações de tempos verbais. A seleção do tempo verbal da oração subordinada, no caso apresentado, vai ter consequências na localização temporal da situação descrita1.

 

(i) quando o verbo da oração subordinada vai para o presente2, este indica uma situação que ocorrerá num tempo posterior ao momento da enunciação (ocorrendo num intervalo de tempo próximo ou mais distante). Na frase (1), refere-se algo que o Zé poderia vir a fazer (apresentado como incerto):

(1) «Duvido que o Zé seja capaz de fazer uma coisa dessas.»3

(ii) o verbo no imperfeito do conjuntivo deixa em aberto a localização temporal da situação descrita, pois tanto pode referir uma situação anterior ao momento da enunciação (2) como posterior (3):

(2) «Duvido que (ontem) o Zé fosse capaz de fazer uma coisa dessas.»

(3) «Duvido que (depois disto) o Zé fosse capaz de fazer uma coisa dessas.»

(iii) com o verbo no pretérito perfeito do conjuntivo, refere-se uma situação passada e concluída (ainda que hipotética):

                (4) «Duvido que o Zé tenha sido capaz de fazer uma coisa dessas.»

(iv) com o verbo no pretérito mais-que-perfeito do conjuntivo, descreve-se uma situação completamente passada, anterior ao momento de enunciação, que pode, inclusive, ter um tempo de referência na frase.

(5) «Duvido que o Zé tivesse sido capaz de fazer uma coisa dessas antes de começar a trabalhar.»

 Disponha sempre!

1. Para mais detalhes, cf. Oliveira in Raposo et al., Gramática de Português. Fundação Calouste Gulbenkian, pp.543 – 546.

2. No caso em apreço, os tempos serão sempre do conjuntivo. 

3. É possível identificar nesta frase também um valor genérico, que se aplica em qualquer intervalo temporal. 

 

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa