DÚVIDAS

Concordância dos tempos passados no conjuntivo

Na resposta de 15/11/99, "Pretérito perfeito composto do conjuntivo em orações", J.N.H. me explicou nitidamente a sequência de tempos passados nos exemplos que apresentei. Agora entendo que em frases com duas orações, com o verbo principal (verbo 1) em pretérito perfeito simples e com o verbo da oração subordinada (verbo 2) em tempo passado, o verbo 2 vai no pretérito imperfeito do conjuntivo em muitos exemplos.

Seguindo este padrão, eu posso dizer:

1a. Foi bom que ele saísse daqui.

Eu concordo com J.N.H. que a seguinte frase, já apresentada, é incorreta:

2. *Eu não achei que José tenha bebido todo o vinho da garrafa.

A minha dúvida agora é que D. P. Cegalla, na "Novíssima Gramática da Língua Portuguesa", 34.ª edição, p. 489, apresenta este exemplo:

1b. Foi bom que ele tenha saído daqui.

Por que o exemplo 1b é aceitável e o exemplo 2 não o é?

Será que o pretérito perfeito composto do conjuntivo é aceitável porque anuncia um facto passado tido como concluído?

No exemplo 2, o verbo principal, "não achar", não é um verbo que expressa sentimento. Já no exemplo 1b, o verbo principal é de sentimento ("ser bom"). Será que esta diferença tem importância na sequência de tempos?

Resposta

Tem muita razão para apresentar a sua dúvida.

À frase de Cegalla falta o contexto e/ou a situação em que se considera a frase.

Diz a "Nova Gramática do Português Contemporâneo" de Celso Cunha (brasileiro) e Lindley Cintra (português), p. 472, que o "pretérito mais-que-perfeito do conjuntivo pode indicar:

"Uma acção anterior a outra acção passada (dentro do sentido eventual do modo conjuntivo):

  1. "Esperei-a um pouco, até que tivesse terminado sua 'toilette' e pudéssemos sair juntos."
    Parece-me ser este o caso da frase da consulta.
    Segundo esta doutrina, a frase da "Gramática" de Cegalla, que é boazinha, devia dizer-se deste modo:

  2. Foi bom que ele tivesse saído daqui.
    O Dr. Ernesto Carneiro Ribeiro (também brasileiro) diz na pág. 598 da 5.ª edição (1950), dos "Serões Grammaticaes ou Nova Grammatica Portugueza":
    "Se, porém, a acção exprimida pelo verbo da subordinada é anterior à que exprime o verbo da principal, emprega-se naquella o mais-que-perfeito do subjuntivo."
    Das frases, eis duas:

  3. Desejava que elle tivesse vindo.

  4. Desejei que elle tivesse vindo.
    É este, pelo menos parece, o caso da frase em questão, principalmente a frase d). Estamos em presença duma acção passada anterior a outra também passada.
    Mais ainda: a língua/linguagem não é só para ser compreendida. É também para ser sentida. Eu sinto que o correcto é:

  5. Foi bom que ele tivesse saído daqui.

E agora uma pergunta atrevida: Que sente o prezado Eugénio Geppert?

Depois destas considerações, lembrei-me de consultar a "Grammatica Portugueza" de Júlio Ribeiro (brasileiro), edição de 1891. Acerca da correspondência dos tempos (pág. 288) diz ele que, ao pretérito perfeito do indicativo corresponde, no conjuntivo, o pretérito perfeito e o mais-que- perfeito:

Julguei que tu viesses.

Julguei que tu tivesses vindo.

É natural que Cegalla se tenha enganado, ou que estivesse imaginando determinado contexto que não o deu a conhecer.

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