As frases apresentadas estão ambas corretas, embora constituam realidades distintas, que passamos a analisar.
O caso colocado envolve uma questão de coesão referencial, na qual um pronome depende de uma expressão referencial colocada antes na frase (o seu antecedente). Nos casos em apreço, encontramos duas relações referenciais distintas.
Na frase
(1) «Eu sou a Camila do conto. Mas não a sou agora.»
o pronome a tem como referência o nome próprio Camila, que retoma na segunda frase. Este uso será sinónimo de (2)
(2) «Eu sou a Camila do Conto. Mas não sou ela agora.»
Na frase
(3) «Eu sou a Camila do conto. Mas não o sou agora.»
o pronome o é um clítico invariável, considerado em algumas gramáticas como um pronome demonstrativo invariável, que tem como referência a parte predicativa da frase anterior, ou seja, «ser a Camila do conto».
Em nome do Ciberdúvidas, agradeço e retribuo os simpáticos votos que nos endereça.
1 Obs. [atualização em 15/12/2018]: Considera-se a existência de dois tipos de frase copulativa (entre outras menos expressivas): a identificacional e a predicativa. Quando o predicativo do sujeito funciona com o verbo ser identificacional pode ser substituído por um pronome nominativo:
(1) «O médico é o João. = O médico é ele»
Note-se que a interpretação destes casos de estrutura dita equativa não é consensual, havendo quem defenda tratar-se de um sujeito invertido. Aliás no caso de
(2) «O João é o médico.»
já não será possível
(3) «*O João é ele.»
Quando o verbo ser é predicativo admite a substituição do predicativo do sujeito pelo pronome o, considerado uma pró-forma anafórica predicativa:
(4) «O João é o mais inteligente da turma. = O João é-o.»
O pronome o tem a capacidade de tomar como antecedente toda a estrutura predicativa e mesmo uma estrutura oracional.
A utilização do pronome clítico na forma acusativa flexionado na feminino – a – não está descrita na literatura consultada, mas está atestada por alguns usos. Por exemplo, na tradução de O Ser e o Nada, ensaio de Jean Paul-Sartre, encontramos as seguintes construções:
(5) «Eu fiz a História, como todo mundo, mas eu não a sou: se ela tem um sentido, é enquanto ela é»
(6) «Portanto, o homem deve ser algo com o qual nunca consegue realmente coincidir, se represento uma função não a sou, permaneço nela.»
(7) «Entretanto, esse mesmo direito de ser o que sou me separa daquilo que tenho de ser: de direito, sou minhas possibilidade, mas, de fato, não as sou.»
É evidente que estamos perante uma construção rara, mas é uma possibilidade sintática. Carecerá, porventura, de estudos mais aprofundados que delimitem as situações em que pode aparecer porque, de facto, parece haver restrições sintáticas à sua utilização.