DÚVIDAS

Réplica discordante a «jamais morrerão»

Sou escritor, verto livros de árabe para português, e às vezes me deparo com situações, como, por exemplo: «eles supõem erroneamente que jamais morrerão!»

A minha questão é como posso discordar? Será que digo: «Sim! Por Deus que vós morrereis»? Ou: «Pois não! Por Deus que vós morrereis»?

E quando posso usar: «pois não!»; «pois sim!»; «claro!»; «sim!»?

Agradeço o que o Ciberdúvidas tem feito para a melhoria do nosso português.

Resposta

A questão colocada não tem uma resposta simples, pelo que exige alguma reflexão.

Sobretudo quando colocados em início de frase, os advérbios sim e não podem ser usados para confirmar uma afirmação positiva ou negativa feita anteriormente. Assim, o advérbio sim pode confirmar uma afirmação positiva:

(1) «Ele já leu o livro.

          Sim, ele já leu o livro.»

Por seu turno, o advérbio não pode confirmar uma afirmação negativa:

(2) «− Ele ainda não leu o livro.

        − Não, ele ainda não leu o livro.»

A frase apresentada pelo consulente apresenta uma polaridade negativa, pelo que a frase (3) pode ser considerada equivalente a (4):

(3) «Eles supõem erroneamente que jamais morrerão!»

(4) «É mentira que jamais morrerão!»

Visto que a frase apresentada em (3) é composta por duas orações, a subordinante («Eles supõem erroneamente») e a subordinada completiva («que jamais morrerão»), é possível confirmar quer uma oração quer outra. Nesta linha, a frase (5) confirma o conteúdo da oração subordinante («Esta é uma suposição errada»), enquanto a frase (6) confirma o conteúdo da subordinada («É verdade que eles nunca morrerão):

(5) «Pois sim, é errado que jamais morrerão.»

(6) «Sim, eles jamais morrerão.»

A frase (6), ao confirmar o conteúdo da subordinada rejeita, com base numa inferência, o conteúdo da subordinante:

(6a) «Não, não é errado o que eles supõem, pois eles jamais morrerão.» 

Caso se queira discordar, aplica-se o mesmo princípio. Posso discordar do conteúdo da oração subordinante (7), ou do conteúdo da subordinada (8):

(7) «Não, não é uma suposição errada.»

(8) «Não é verdade que eles jamais morrerão.»

Relativamente à expressão «pois não», ela é usada por exemplo para confirmar uma negação:

(9) «− Ela nunca foi a Paris.

        − Pois não.»

Por seu turno, a expressão «pois sim» poderá ser usada para dar uma permissão:

(10) «− Posso usar este lápis?

          − Pois sim, esteja à vontade.»

Por esta razão, nenhuma delas será a mais adequada para discordar da frase apresentada em (3), sendo preferível uma forma como a que se apresenta em (11), para discordar do conteúdo da subordinada completiva:

(11) «Não! Por Deus que vós morrereis!»

Também se poderá discordar do conteúdo da oração subordinada da frase (3) recorrendo aos advérbios sim ou claro:

(12) «Claro que morrereis!»

(13) «Sim, morrereis!»

Neste caso, produz-se uma afirmação que assenta no pressuposto de que o leitor será capaz de reconstruir uma afirmação que foi omitida semelhante à que se apresenta em (14) ou (15):

(14) «Isso não é verdade. Claro que morrereis.»

(15) «Isso é mentira. Sim, morrereis.»

Disponha sempre!

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