Pormenorizando o que se diz aqui e aqui, torna-se necessário precisar que o nós em questão é classificável como «plural de modéstia», como propõem, por exemplo, Celso Cunha e Lindley Cintra na Nova Gramática do Português Contemporâneo (Edições João Sá da Costa, 1984, p. 285):
«Para evitar o tom imperativo ou muito pessoal de suas opiniões, costumam os escritores e os oradores tratar-se por nós em lugar da forma eu. Com isso procuram dar a impressão de que as ideias que expõem são compartilhadas pelos seus leitores e ouvintes, pois que se expressam como porta-vozes do pensamento colectivo. A este emprego da 1.ª pessoa do plural pela correspondente do singular chamamos PLURAL DE MODÉSTIA.»
Os mesmos autores apresentam logo depois dois exemplos de textos das áreas das Humanidades:
(1) «Algumas [cantigas], mas poucas, foram por nós colhidas da boca do Povo.» (Jaime Cortesão, Cancioneiro Popular, 1914, p. 12)
(2) «As ocupações oficiais em que nos achamos desde 1861 a 1867, quer nas repúblicas de Venezuela, Equador, Peru e Chile, quer nas próprias Antilhas, não nos deram muita ocasião de pensar em semelhante edição, para a qual até aí nos faltavam auxílios.» (F. Adolfo Varnhagen, Cancioneirinho de Trovas Antigas Colligidas de um Grande Cancioneiro da Bibliotheca do Vaticano, 1870, p. 9)
É uso possível numa comunicação científica, como Maria Fernanda Bacelar do Nascimento na Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013-2020. p. 2708): «Em situações formais ou solenes, alguns escritores ou oradores usam a forma nós referindo-se a si próprios, ou seja, em vez de eu. Esta é, também a forma tradicionalmente usada no discurso científico, nomeadamente por autores de teses de mestrado e de doutoramento.» Bacelar do Nascimento explica ainda, apoiando-se em Cunha e Cintra (ibidem, p. 286), que este uso de nós a denotar modéstia está na origem do nós majestático: «[De] uma forma de solidariedade do rei para com o seu povo ou da Igreja para com os seus fiéis , o pronome nós passou a usar-se, mais tarde, como "símbolo de grandeza e de poder".»
No entanto, no contexto científico, os nós de modéstia pode não ser tão sistemático assim, porque atualmente se tende a favorecer o uso da 3.ª pessoa – cf. Paulo Nunes da Silva, Manual de Técnicas de Expressão e Comunicação, Universidade Aberta, 2020. Torna-se, portanto, legítimo considerar que o nós de modéstia tende a ocorrer em prefácios e prólogos, textos em que se procura enquadrar uma obra e que podem ter caráter mais pessoal. Também ocorre com frequência em textos de divulgação de diferentes temas científicos.
Agradecemos os parabéns e as palavras de apreço.
1 A consultora Carla Marques (comunicação pessoal) observa que, em certos meios académicos, se considerava o nós de modéstia como «uma estratégia retórica que permitia reduzir o peso da responsabilidade de algumas afirmações científicas e também uma forma de não ostentar o saber, o que no meio académico é reprovável». Acrescenta que se assiste «cada vez mais à assunção do eu como forma de assumir as consequências e o valor da investigação».