DÚVIDAS

Euromaidan e Europraça

O termo “Euromaidan”, em rigor, significa “europraça”. Assim se chama porque no fim de 2013 surgiram protestos antigoverno e pró-União Europeia, e eles tiveram como centro a praça da Independência, na capital do país. Ou seja, sendo os protestos pró-União Europeia e centrados numa praça, a palavra “Euromaidan” surgiu, e passou a ser amplamente usada pela mídia.

Após algum tempo, a palavra passou a representar não somente a praça, mas também o movimento inteiro que levou à derrubada do governo naquela época. Na mídia e na escrita acadêmica anglófona, não se fala dos protestos da Ucrânia em si, mas sim do (movimento da) “Euromaidan”. A Real Academia Española, atenta à movimentação, adaptou a grafia ao castelhano: “Euromaidán”. Ela passou a ser usada na hispanosfera normalmente.

A meu ver, a forma natural de se traduzir o termo para o português seria grafando-o como “Euromaidã”. Entretanto, ninguém da mídia portuguesa nem da mídia brasileira o fez. Não encontrei um texto na Internet que o empregasse.

Pergunto:

1. Uma palavra nova aportuguesada só entra nos dicionários caso seja utilizada pelas pessoas? Como isso se define? Qual é o critério?

2. Caso alguém a utilize num texto acadêmico sem que ela esteja registrada num dicionário, poderá esse uso ser criticado?

Resposta

Por enquanto, não existe um sistema de transliteração do alfabeto cirílico para o alfabeto português que seja aceite universalmente entre falantes de língua portuguesa. Há várias propostas – entre elas, a da Folha de S. Paulo1 –, e até se emprega a norma internacional ISO 92.

Mesmo assim, embora a adaptação proposta pelo consulente seja possível, em princípio, ainda não encontra ela a força necessária para se consagrar, porque o nome que representa não tem tradição ou grande circulação no português oral e escrito. É verdade que, com final, em lugar de -an, se regista Astracã e que o elemento -stan tem o aportuguesamento (i)stão: Cazaquistão, Usbequistão.  Contudo, trata-se de formas que, por razões históricas, foram sendo alteradas por um uso mais frequente ou mais presente em certas práticas discursivas, como sejam, as do jornalismo, as das relações diplomáticas e as da divulgação historiográfica.

Respondendo às perguntas:

– Um aportuguesamento pode ser criado de propósito, de forma planeada, para um registo dicionarístico, mas é corrente este concretizar-se já depois da criação de tal forma, muitas vezes sem se poder atribuir a falantes identificados.

– Quanto a escrever "Euromaidã", trata-se de forma possível, de acordo com o modelo de Amã, adaptação da romanização Aman, nome da capital jordana. Mesmo assim, como é forma pouco ou nada empregada (mas, repita-se, possível), uma opção prudente e correta será empregar também a forma romanizada Euromaidan, sem acento3, ou, em alternativa, a tradução Europraça.

 

1 Foi consultada uma versão em linha da edição de 1996 do Manual de Redação da Folha de S. Paulo. Não foi possível o acesso à 5.ª versão (2018) desta obra.

2 Sobre esta questão, consulte-se o muito útil artigo "Contributo para a transliteração do russo para o português", de Ana Salgado e Nonna Pinto, no Pórtico da Língua Portuguesa (22/11/2017). Leia-se também o se diz sobre o nome Sochi no artigo "СОЧИ – um estudo de caso da transliteração do russo", de Paulo Correia (A Folha – Boletim da Língua Portuguesa nas Instituições Europeias, n.º 44. primavera  de 2014, pp. 13-17).

3 Dispensa o itálico, visto tratar-se de um nome próprio, apesar de estrangeiro. Escreva-se, portanto, em redondo como acontece com outros topónimos estrangeiros que se usam sem aportuguesamento: Taiwan, Wuhan, Évian.

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