DÚVIDAS

Topónimos da Ucrânia

Gostaria de saber para que topónimos ucranianos devemos ainda usar formas históricas ou aportuguesamentos.

Nas notícias temos visto recorrentemente falar-se de Kharkiv e Lviv, por exemplo. Contudo, vêem-se esporadicamente também os exónimos Carcóvia e Leópolis. Serão estes ainda válidos e recomendáveis? Que outras formas portugueses existem?

Wikipédia e outros lugares da Internet registam por exemplo as cidades de:

Sebastopol (Sevastopol) – ou será Sebastópolis?

Quérson (Kherson)

Vinítsia (Vinnytsia)

Zaporíjia (Zaporizhzhia)

Odessa (Odesa)

Jitomir (Zhytomyr)

Estas três últimas talvez simples transcrições, bem como as regiões da Volínia (Volyn'), Kirovogrado (Kirovohrad) – ou deveria ser "Quirovogrado"? –, Transcarpátia (Zakarpattia) – ou "Transcarpácia"? –, Galícia (Halychyna), Podólia (Podillia), Sevéria (Siveria), Marmácia (Marmaroshchyna), Polésia (Polissia), Bucovina (Bukovyna), Ucrânia Esloboda ou Livre (?) (Slobidska Ukraina) e a óbvia Crimeia.

Também há o chamado Donbass. Poderia ser transposto para Bacia do Donets?

E em relação à forma recente Quieve para o ucraniano Kyiv (e russo Kiev), que até está no Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa? Como forma mais neutra seria preferível às alternativas Kyiv/Kiev ou uma forma como "Quive" seria mais recomendável?

Muito obrigado antecipadamente pela vossa resposta que, face aos acontecimentos recentes, seria muito útil para a comunicação social atual.

Resposta

Entre os nomes geográficos ucranianos que são mencionados na questão, identificam-se duas situações:

– Nomes que têm forma portuguesa, com ou sem tradição ou uso – são, portanto, exónimos1, isto é, nomes formados numa língua que não naquelas que se usam nos territórios onde os topónimos ocorrem: Carcóvia, Leópolis, Quieve, Galícia.

– Nomes transcritos ou transliterados conforme normas internacionais ou normas emitidas por autoridades locais e reconhecidas internacionalmente – são endónimos, ou seja, nomes locais que são romanizados: Kharkiv/Kharkov, Kyiv/Kiev, Lviv/Lvov.

Sobre os nomes em questão, importa salientar que não há ainda para o português critérios próprios padronizados para a transliteração de nomes do russo ou do ucraniano. Sendo assim, recorre-se às formas romanizadas conforme normas internacionais, as quais acusarão eventualmente a interferência de soluções provenientes de línguas hegemónicas (inglês, francês, espanhol).

Sobre as formas adotadas nos artigos da Wikipédia, deve notar-se que, por válidos que sejam, não têm o reconhecimento formal e generalizado que seria necessário. Deste modo, sem prejuízo das formas portuguesas propostas numa lista de exónimos relativos à Ucrânia (aqui), podem também empregar-se as transliterações internacionais, o que significa que neste ponto há que tomar decisões e optar pela forma do topónimo de uma das línguas dos Estados em conflito – ucraniano ou russo –, muito embora a Ucrânia tenha importante população russófona.

Assim, pela mesma ordem por que são mencionados os topónimos na pergunta, apresentam-se listados os endónimos ucranianos romanizados pelo sistema e quadro de transliteração aprovados pelo gabinete de ministros da Ucrânia em 27/01/2010 e divulgados pelo Grupo de Especialistas em Nomes Geográficos das Nações Unidas (UNGEGN), seguidos de um comentário em que se apresenta uma forma portuguesa e se dão pormenores sobre o seu uso2.

Nomes de cidades (politónimos)

Sevastopol ou Sevastopol: há registo de Sebastópolis, muito pouco usado nas até agora poucas referências à cidade assim chamada.

Kherson (Kherson): há registo da forma Quérson.

Vinnytsia: Vinítsia, aportuguesamento possível e correto, mas sem registo.

Zaporizhzhia: Zaporíjia, aportuguesamento possível e correto, mas sem tradição.

Odesa: Odessa, forma bem enraizada no português.

Zhytomyr: há registos da forma portuguesa Jitomir.

Nomes de regiões (corónimos)

Volyn' : corresponde a Volínia, que tem registos enciclopédicos.

Kirovohrad: a forma Kirovogrado é discutível por associar heterogeamente o k a uma forma que globalmente segue a ortografiado português. Em alternativa, a forma Quirovogrado parece mais coerente. O Dicionário Lello (ver nota 2) regista Quirivogrado.

Zakarpattia: a forma Transcarpátia é preferível a  "Transcarpácia", atendendo a que, em referência aos Cárpatos, se diz e escrever carpático, com t, e não "carpácico".

Halychyna: corrsponde a Galícia, que tem tradição de registo enciclopédico.

Podillia: a forma Podólia tem tradição de registo enciclopédico.

Siveria: o aportuguesamento Sevéria não tem registo nas fontes consultadas, mas é possível e correto.

Marmaroshchyna: a forma Marmácia é adaptação direta do latim Marmatia e, portanto, é aceitável, muito embora o nome romeno da região, Maramureș, possa ser transposto igualmente sem dificultado para portguês, por exemplo, como "Maramures", que não se atesta nas fontes consultadas.

Polissia: é possível e correto formar Polésia, que encontra parelelo noutras línguas românicas.

Bukovyna: tem por equivalente Bucovina, com tradição de registo enciclopédico.

Slobidska Ukraina : na Wikipédia ocorre a Ucrânia Esloboda cuja forma "esloboda" é muito discutível; afigura-se mais adequado empregar a tradução de slobidska que equivale a livre ou franca, assim permitindo compor o corónimo Ucrânia Livre (ou Franca).

Krym: o exónimo português é Crimeia, bem firmado no uso.

Quanto ao topónimo Quieve/Kiev/Kyiv, leia-se a nota incluída aqui.

 

1 Sobre a diferença entre exónimos e endónimos, recomenda-se a leitura das recomendações da Associação Galega de Onomástica, onde se podem recolher várias sugestões com interesse para a definição de critérios de aportuguesamento dos nomes ucranianos.

2 Foram consultados o Vocabulário da Língua Portuguea (1966), de rebelo Gonçalves; o Vocabulário Toponímico associado ao Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa; o Vocabulário Onomástico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras; o Dicionário Prático Ilustrado (Lello e Irmãos Editores, 1959); e o índice geográfico de Os Eslavos. Povos e Nações (Edições Cosmos, 1968, pp 521-531).

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